São João
No Porto e em Braga, hoje é noite de festa. Saiba onde comprar os manjericos mais frescos, onde comer as melhores sardinhas e prepare-se para os martelinhos
Dona Amélia
Dona Amélia tem um ar jovial, mais fresco que os manjericos que ordeiramente encarreira no chão do Mercado do Bolhão, no Porto. Faz cerimónias para tirar a fotografia, mas não demora a pôr-se a jeito. É tudo uma questão de charme. Mulher que se preze não se deixa convencer à primeira. “Assim está bem?”, pergunta, enquanto penteia o cabelo branco, deixando antever um par de brincos de ouro. “Aqui é a minha casa, menina. Venho para aqui desde os dez anos”, ri e agarra-nos o braço, queixando-se da crise. “Olhe, o que eu ganho, nem dá para o bilhete”, suspira. “Está a ver aquele leque? Está cá há 15 anos, trouxe-o da minha casa. Ninguém lhe pega”, diz, soltando uma gargalhada farta.
Maria de Castro
De rádio sintonizada numa estação de música, Maria de Castro, 57 anos, está atrás do balcão em paz com a vida. A crise não chegou às sardinhas. “Agora ainda é cedo, filha. As pessoas não vão comprar já as sardinhas senão elas até ao São João ficam todas engrameladas, filha.” Engrameladas? “Sim, filha, como é que eu hei-de dizer, moídas, percebes? Mas as minhas são tão frescas, que até parece que se mexem.” “Quando acabei a 4.a classe vim directinha para cá, este foi o meu primeiro emprego. A peixaria já era da minha avó”, conta. Pedimos para tirar uma fotografia. Voltou a ser difícil, talvez seja um pré-requisito das mulheres do Bolhão. “Anda lá, filho, tira a fotografia. Ó valha-me Deus”, diz impaciente.
José Pinto
José Pinto, presidente do grupo de folclore de Braga a Rusga de São Vicente, vai a correr trajar-se para a fotografia. É um entusiasta que não deixa morrer a tradição. “Queremos pôr toda a gente a dançar. A ideia é transmitir às pessoas que o folclore tradicional não tem necessariamente de estar aliado a roupa a cheirar a mofo. Quem vier dançar connosco vai ter um arco próprio para desfilar.” A Rusga de São Vicente faz 45 anos na noite de São João. “Achámos que era uma boa altura para lançar um repto aos bracarenses enquanto foliões, para que interagissem com a cultura tradicional.” Se quer aprender a dançar é agora. “Às vezes as pessoas ficam tão entusiasmadas que até prejudicam o andamento”, diz.
Américo Cachadinha
“Vai um copinho de vinho?”, pergunta Américo Cachadinha, 68 anos, que desde os 20 monta a tenda junto à ponte e vende bacalhau, sardinhas e caldo verde aos foliões do São João bracarense. “Ofereço de coração, mas não bebo porque estou a trabalhar. Fui agora a Monção buscar duas pipas”, diz, esperando o entusiasmo da plateia para continuar a história. “Uma vez duas senhoras precisavam de boleia. Quando entraram no carro veio um cheiro tão grande a aguardente que até fiquei zonzo. Para mal dos meus pecados fui parado por um polícia. E ele disse: ‘Ó Cachadinha, o seu carro parece um alambique.’ E pronto, lá fui eu fazer o teste sem culpa nenhuma.”
João Reina
“Não há festa mais bonita que o São João no Porto, então aqui a bordo ainda é mais linda”, diz o mestre João Reina, ao leme do barco da Douro Azul que conduzirá pelas águas do rio na noite da festa. No barco rabelo poderá jantar o menu tradicional: caldo verde, sardinhas, fevras e vinhos, e dar ainda uns passinhos de dança, antes do fogo-de-artifício. “Já andei por muitos sítios deste mundo, de Moçambique ao Gabão, e nada é mais lindo que isto. Uma vez, estava na Noruega a pescar bacalhau e apanhei tamanho susto, valha-me Deus. Estava sozinho a comer uma sandes, a nevar em cima de mim e quando olhei para o fundo vi um monstro. Até podia ser uma foca, mas eu pirei--me a sete pés cheio de medo”, ri.
Francisco Araújo
Francisco Araújo começou a esculpir santos e anjinhos na oficina do pai quando tinha 11 anos. Mas depois de 36 a trabalhar a madeira, começou a apaixonar-se pelo mármore. “É mais difícil, mas não podemos ficar atrás da concorrência, não é?” De qualquer das formas, clientela não lhe falta e as figurinhas religiosas (não estivéssemos nós na cidade dos arcebispos) vendem-se como pãezinhos quentes. “Já me pediram de tudo, até uma mulher enorme toda nua”, ri. O São João em Braga é conhecido pelas barraquinhas que se estendem avenida afora. Na Associação de Artesãos do Minho há bombos, pífaros, brinquedos tradicionais, louça típica, pandeiretas e castanholas.
Programa de festas
PORTO
10h00 -Percursos turísticos pedestres dirigidos a turistas que visitam o Porto. Participação gratuita
22h00- Começam os concertos: Orquestra Nacional do Porto, Trabalhadores do Comércio e Blind
Zero. Os Buraka Som Sistema actuam às 3h00
Todo o dia - Cascata de S. João em movimento. Entrada livre
BRAGA
22h00- Cortejo de Rusgas, Bandas Filarmónicas, Gigantones e Cabeçudos, Gaiteiros, Bombos e Zés P’reiras
01h00 - Tradicional sessão de fogo-de-artifício no alto do Monte do Picoto sobre o Terreiro de S. João e Rio Este
20h00 - A fadista Ana Moura encerra as festas no dia 24 de Junho
Via Ionline