Em qualquer escola há sempre aqueles alunos que nunca estão quietos. Levantam-se da cadeira, empurram os colegas, respondem aos professores, rabiscam os cadernos em vez de estarem atentos. Será que perderam o interesse pela escola? Será que gostariam de estar a brincar no recreio em vez de ficarem encafuados numa sala? Será que não gostam da matemática nem gostam de aprender a ler? Não é nada disso. "Boa parte das crianças mostra esse tipo de comportamentos porque é a sua forma de reagir ao medo que sente perante o fracasso", conta Paula Espada, professora da Escola Básica nº 3, em Sacavém, no concelho de Loures.
Paula Espada quis perceber os motivos que levam os miúdos da sua escola a serem irrequietos. E tão teimosa foi essa dúvida que acabou em tese de mestrado sob o título "Diferentes modos de sentir e de agir em contextos divergentes: (re)acções das crianças perante o fracasso". Durante um ano lectivo inteiro, a professora primária andou de sala em sala de aula a observar de perto 16 alunos do 1º ano e ainda outros 20 do 4º ano. Conversou com eles, ouviu as suas confissões e esteve atenta a todos os comportamentos que tiveram nas aulas.
No final do ano, descobriu que quando os miúdos estão desatentos, isso quer dizer, na maioria das vezes, que não perceberam a matéria e não conseguiram executar o exercício que a professora pediu. "Perante o medo de falhar, os alunos procuraram várias estratégias para evitar enfrentar aquilo que mais lhes custa: o fracasso." Nem todos reagiram da mesma maneira, diz a professora.
Os alunos de seis e sete anos, por exemplo, fingem ter dores de barriga ou dores de cabeça, riscam as carteiras, rabiscam os livros ou rasgam as folhas dos cadernos só para adiar fazer a tarefa pedida na aula. Tanta irrequietude só porque não sabem como fazer a tarefa escolar nem conseguem pedir ajuda. Do outro lado estão os alunos do 4º ano que, em vez de danificar o material escolar para esconder o medo, recorrem aos colegas do lado para fugir aos trabalhos ou aos exercícios complicados: "Levantarem-se do seu lugar sem autorização do professor, implicar com o colega de lado, causar distúrbios ou fazer tudo para ser o centro das atenções foram os comportamentos mais frequentes nas turmas do 4º ano."
Motivados Um dos objectivos iniciais de Paula Espada passava por tentar perceber se a reacção ao medo de errar é diferente nas raparigas e nos rapazes e ainda avaliar se esse receio diverge consoante a etnia ou cultura familiar, uma vez que a esmagadora maioria da população da Escola Básica nº 3 deSacavém é filha da primeira ou segunda geração de imigrantes oriundos dos países de língua oficial portuguesa: "Não encontrei qualquer diferença. Qualquer um deles quando começa a frequentar a escola está bastante motivado."
O primeiro dia de aulas foi o momento mais marcante para os 36 alunos entrevistados. "Chegaram à escola cheios de expectativas e sentiram-se importantes por iniciar uma nova fase nas suas vidas", conta a professora. Ao longo dos anos, a motivação não desaparece, apenas se transforma, conta a professora: "Se no primeiro ano, a principal motivação passa por fazer bem todas as tarefas e agradar ao professor, no 4º, os alunos concentram todas as energias em passar de ano e transitar para o segundo ciclo. O medo de ficar para trás é o que prevalece entre os mais velhos."
Os truques E o medo de falhar entre as crianças do primeiro ciclo pode surgir todas as maneiras. Paula Espada dá aulas há 14 anos e já sabia que quando os alunos não estão atentos é porque não conseguem acompanhar a matéria. Só não desconfiava que os miúdos tinham tantos subterfúgios para evitar o fracasso. Ao longo do ano foi anotando todos os comportamentos e no fim contabilizou 43 truques que os alunos usaram para esconder a vergonha que sentem por não saberem executar um exercício: "Por vezes, as atitudes são tão imperceptíveis que perante uma turma de 19 ou 20 alunos é difícil conseguir detectar que a criança precisa de ajuda."
Esses episódios isolados não chegam para explicar o insucesso escolar, avisa a professora, mas "é da soma dos pequenos fracassos que deriva o insucesso escolar". Daí a razão para Paula Espada afastar do seu estudo o "insucesso quantitativo". A professora da escola básica de Sacavém não se interessou pelas notas dos alunos nos testes ou nas pautas do final de ano: "Optei por estudar aquilo que não se vê, que é silencioso e, por isso, pode escapar à nossa atenção."
Via Ionline