Sexo na idade maior
Um dos mitos sobre a terceira idade diz que os idosos ou são assexuados ou, se têm alguma manifestação sexual, são "depravados". A verdade, porém, é que a sexualidade se mantém até ao fim da vida. Mesmo assim, há médicos que nada perguntam e lares que separam casais. O idoso acamado a quem uma auxiliar vai fazer a higiene e tem uma erecção "é uma situação naturalíssima". Por Catarina Gomes
Nunca ninguém lhe tinha perguntado isso na vida mas sim, Luísa Abreu, de 65 anos, masturba-se. "Continuo a ter desejo, mais quando aquece o tempo, preciso de me sentir mais despida". Não nega que é difícil arranjar momentos de intimidade estando a viver num lar de idosos, ainda mais a partilhar quarto com outra senhora - os quartos individuais são mais caros - mas lá se consegue.
Se dúvidas houvesse, nos três anos que leva na Casa do Artista, um lar de idosos em Lisboa que alberga profissionais do meio artístico, foi amealhando provas de que não é só ela, de que a sexualidade se mantém activa até ao final da vida, mesmo em situações de extrema debilidade.
Não olhemos para o seu caso, já que está bem de saúde, e teve uma vida que não seguiu as regras do seu tempo, as regras do não-faças-que-parece-mal-o-que-é-que-as-pessoas-vão-dizer. Foi "bailarina ligeira" no Parque Mayer, actriz e deu aulas, foi mãe solteira aos 20 anos, com o único amor da sua vida, nunca casou.
Um dia entrou-lhe no quarto do lar uma auxiliar esbaforida. "A senhora vinha em pânico", descreve Luísa, que gosta de ouvir desabafos e "resolver problemas". A funcionária vinha naquele estado porque tinha entrado num quarto para tratar de um senhor acamado, "que nem come com a mão dele", e encontrou-o a masturbar-se. Luísa conseguiu acalmá-la, explicando-lhe: "É natural, filha". "O desejo foi mais forte do que a fragilidade da doença", conclui.
De outra vez ia a passar numa sala da instituição e ouviu um trecho de diálogo, melhor dizendo, dois trechos de diálogo. Uma insuspeita idosa, com perto de 90 anos, "mal se segura de pé, move-se de andarilho, sofre do coração, tem problemas renais, talvez depressão", desabafava com uma colega. Ainda tinha desejo. "Como é que eu faço aqui?". Do outro lado "não encontrou abertura", só um "ai, que porcarias" e, "coitada", calou-se.
Luísa Abreu não se fez conhecer, mas lamentou aquela senhora. "Poucas pessoas conseguem falar do que sentem, do que lhes vai na alma. Não se fala, é como se não existisse." Mas existe.
Num "lar que não existe"
Luísa Abreu pensa que era importante "sossegar a senhora", dizer-lhe que o que sente é normal, que "é da natureza humana, não está sozinha, é do mundo". Era bom que a sexóloga que conheceu na semana passada nas rodagens de uma série para a RTP não fosse uma personagem de ficção e lhe dissesse a ela e às outras as coisas que diz às idosas também ficcionadas e que até fizeram um clube para discutir sexo mascarado de grupo para discutir tricot e lavores: "Que em qualquer idade temos o direito de fazer sexo".
Via Público