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Um olhar sobre o Mundo

Porque há muito para ver... e claro, muito para contar

Porque há muito para ver... e claro, muito para contar

Um olhar sobre o Mundo

05
Fev11

Novas regras para as deduções do IRS para 2010

olhar para o mundo

A partir de 1 de Janeiro de 2011  têm de pedir as facturas ou recibos para as despesas de saúde, educação, lares, etc, em nome e com
o numero de contribuinte da pessoa que faz a despesa ou utiliza o serviço, quer seja o sujeito passivo ou membro do agregado familiar, (descendentes ou ascendentes).

Assim, quem tem filhos, mesmo os recém-nascidos, deverá requerer o seu número de contribuinte para que possa deduzir as despesas, já que as facturas têm de vir em seu nome e com o respectivo NIF. Na declaração de rendimentos anual é também obrigatório o NIF de cada membro do agregado.

Rematando, não podemos continuar a ter facturas de farmácias, médicos, educação, etc., com o nome do destinatário e o NIF em branco, para posterior colocação destes dados. Tem que fazer parte do preenchimento correcto da factura ou recibo pela entidade que os emite, até porque serão objecto de controlo cruzado pelos serviços de fiscalização da DGCI.

 

Obrigado In-perfeita

03
Fev11

Gosto dela e gosto dele

olhar para o mundo

Já passaram alguns anos. Mas há um momento específico que ficará para sempre gravado na memória de Diana Cruz. Num certo verão, quando chegou à praia onde toda a vida passara férias, à medida que caminhava em direção ao mar, ouviu à sua passagem: "Olha, agora esta é fufa!"

Hoje, ao lembrar-se desse sussurro sem a violência que foi ouvir aquilo, dito daquela maneira, no momento em que acabara de se apaixonar, pode até recordar a cena e dizer a frase como se nada fosse. Mas quando as palavras lhe saem da boca passa-lhe subitamente um brilho cortante pelos olhos claros.

"O que me custou mais", diz Diana enquanto vai dando pequeninos golos no chá de jasmim, "foi perceber como era difícil eu própria aceitar. O confronto com os outros foi terrível." Faz uma pausa e enumera: os amigos que deixaram de a convidar, os comentários de uns, a comiseração de outros que a olhavam como se estivesse doente, a irmã que deixou de lhe falar...

"Mas o confronto mais duro foi comigo própria. Estava convencida de que era uma pessoa absolutamente liberal. De repente, percebi que tinha imensos preconceitos e dava muita importância ao olhar dos outros. Não me julgava tão fraca. E isso entristeceu-me."

Paixão avassaladora

 

O que aconteceu a Diana, quase à beira dos 40, foi isto: "Reparava nela quando nos cruzávamos no corredor. Nessa altura, ainda estava casada. Lembro-me de a ver no supermercado e de ter ficado a pensar. Talvez fosse o ar, uma certa androginia que me atraía inexplicavelmente. Um dia aconteceu. Ao princípio, achei que seria uma experiência, só por curiosidade. Na minha cabeça, uma relação com uma mulher não era uma equação, estava totalmente fora do meu universo. Mas depois apaixonei-me. E foi tão avassalador que não tive hipótese de fugir."

Poderíamos dizer que o mundo desabou, mas não foi exatamente esse o caso. Porque o mundo não desaba assim, apenas recomeça de um modo diferente: "As pessoas perguntavam-me: 'O que é que te aconteceu? Sempre gostaste de mulheres e tinhas medo de assumir?' Exigiam-me definições, ninguém gosta da ambiguidade. E eu também me interrogava: 'Será que andei estes anos todos a fugir?' Depois percebi que não. Os homens não deixaram de me interessar. Tenho a nostalgia da masculinidade, ainda hoje quando chego a um sítio a minha atenção vai para os homens. Mas também passei a ter mais consciência da presença das mulheres. Não sei se voltarei a ter uma relação assim com outra mulher, mas também não sei se conseguirei voltar a estar com um homem com a displicência e a naturalidade com que estava. Nesta relação fui a sítios emocionais a que nunca tinha ido e se passarmos ao plano físico posso dizer, sem vacilar, que foi a minha relação mais libertadora e mais plena. Não me arrependo um segundo."

Ainda é cedo, Diana acabou de largar os filhos na escola, os seus gémeos de 7 anos. Daqui a pouco terá de ir trabalhar. É publicitária, anda atordoada de trabalho e, esta manhã, ao sentar-se à mesa com uma estranha para lhe contar uma parte da sua vida, tão íntima, dá-se conta da dimensão do desabafo: "O que me custa mais é pensar que a minha felicidade pode custar o sofrimento dos meus filhos. Ainda são pequenos, não percebem, pensam que é uma amiga como tantas outras, mas e depois? Gostava de pensar que um dia terei a coragem de ter uma vida em família com esta mulher. Mas ainda há um longo caminho a percorrer..."

Ser ou não ser, eis a questão

 

Luís Antunes diz ao telefone que o seu testemunho talvez possa interessar: "Toda a vida me senti homossexual. Mas há dois anos apaixonei-me por uma mulher e casei", explicou. Aparece ao encontro depois de ter passado a noite inteira no hospital. É enfermeiro, tem 26 anos. "Eu próprio fique muito surpreendido quando percebi que era bissexual." Porquê a surpresa? "Desde pequeno, toda a aproximação amorosa foi com rapazes: os jogos, os contactos, os primeiros beijos..." Aos 16 anos, o primeiro namoro. E um dia, à hora do jantar, com a família toda reunida, disse: "Tenho uma coisa para vos contar." Pensou que seria simples, que iriam aceitar, "fui muito ingénuo", recorda. "O meu pai negou, as minhas irmãs reagiram mal, a minha mãe não disse nada, mas acabou por fazer um grande esforço para aceitar. Sempre pensou que tinha sido uma falha na educação."

Quando o namoro acabou, já na Faculdade, Luís percebeu que começava a sentir-se atraído por uma das suas amigas do curso. Parecia-lhe que ela sentia o mesmo, e aquilo perturbou-o. "Não sabia se conseguiria relacionar-me a nível sexual." Contou-lhe: "Não me sentia bem em avançar sem dizer nada. Durante umas semanas, isso baralhou tudo. Depois confessei-lhe que estava apaixonado e começámos a sair juntos." Ao princípio foi difícil. A dúvida se seria ou não capaz de corresponder como homem na intimidade com uma mulher mantinha-se. Depois foi acontecendo e acabou por não ser tão linear. "Eu já tinha feito um percurso com um homem e construído toda a minha identidade sexual nesse percurso e na idade adulta fui confrontado com a heterossexualidade. O corpo feminino era-me estranho e tive de redescobrir a minha sexualidade como se fosse a primeira vez."

Também estranhou a visibilidade que agora este namoro podia ter. Sem segredos nem proibições: "Ao princípio, até andar na rua de mão dada me fazia confusão. Não estava habituado a poder ter demonstrações de afeto no espaço público e a namorar às claras sem constrangimentos. Ao comparar as duas situações, percebi quão injusto é para um casal homossexual não poder relacionar-se do mesmo modo. Achei chocante. Se tivesse continuado com aquele namoro, ter-me-ia casado com ele, agora é permitido." E, antes de se ir embora, diz sem hesitar: "Não procurei a normalidade. Aconteceu normalmente. Não passei de homo a hetero. Simplesmente encontrei o meu lugar da bissexualidade."

"Só há poucos anos é que a bissexualidade começou a ser encarada como uma orientação sexual e não como uma zona de transição", explica Joana Almeida, psicóloga na ILGA. "Por isso mesmo, sofria de dupla discriminação entre homo e heterossexuais, por ser considerada uma forma de não se conseguir assumir o lado homossexual. O mais difícil de aceitar é a indefinição. Ninguém gosta da ambiguidade." Também Pedro Frazão, psicólogo clínico, especializado em questões de género, concorda que, entre todas as orientações sexuais, a bissexualidade é a mais difícil de definir. "Na comunidade académica e científica era entendida como uma imaturidade. A partir do Relatório Kinsey publicados entre 1948 e 1953, a nossa sexualidade começou a ser observada como um mapa que se vai construindo e delineando ao logo da vida, sobretudo no percurso das mulheres", afirma o psicólogo. "É um dado que a sexualidade feminina é mais complexa, e nas mulheres a orientação sexual decorre com maior fluidez do que nos homens."

É in ser 'bi'?

 

Podemos interrogar se a bissexualidade está na moda como tendência entre a população mais jovem, por exemplo, que, livre de preconceitos, é seduzida pela ideia da experiência? "Penso que não", diz Pedro Frazão. "O que acontece é que, em Portugal, a discussão sobre as questões de género têm vindo a conquistar cada vez mais espaço na discussão política. Neste sentido, todas as questões relacionadas com a orientação sexual ganharam visibilidade, o que permite às pessoas sentirem-se mais livres para assumirem as suas escolhas. Não é uma questão de moda."

"A androgenia é uma tendência. A bissexualidade está na moda e vende", diz Alexandra Santos, 24 anos, voluntária na rede ex aequo, a associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros (LGBT). Ela trabalha no Projeto Educação da rede e percorre as escolas do país a debater identidade de género: "A orientação sexual é um tema que se discute muito durante a adolescência, e a bissexualidade tem o apelo de ser interessante: sugere mente aberta, capacidade de experimentar... Mas, para além deste aspeto mais superficial, muita gente tem dúvidas sobre a sua identidade, e a bissexualidade é a caixinha da confusão. Mas não basta ter uma experiência homossexual para se ser 'bi'."

Apesar da tendência e da confusão, Alexandra Santos, assistente social, sabe o que sente. Afirma sem vacilar: "Não traio, não sou promíscua, tenho relações duradouras. Gosto de homens e de mulheres em igual percentagem." Soube que a atraíam ambos os sexos quando entrou na Faculdade e começou a perceber "que aqueles sentimentos giros que sentia pelas minhas amigas não eram só amizade". Aí, sim, a confusão instalou-se. Nada tinha ainda acontecido e já ela desesperava. "Ai, ai, o que vai ser da minha vida? Porque todos desejamos a normalidade. Assusta muito perceber que nem sempre é assim", conta Alexandra, agora descontraidamente sentada num café do Chiado. "Depois de me questionar se não seria só uma fase, fiz uma viagem à Bélgica para participar num programa entre jovens europeus, conheci uma rapariga e percebemos que tínhamos muita coisa em comum. Principalmente a nossa fé. Quando voltei, continuámos a falar no Messenger e combinámos encontrarmo-nos. Namorámos alguns meses entre cá e lá e depois terminou."

Foi nessa altura que se aproximou da rede ex aequo. Queria encontrar outras pessoas que sentissem coisas semelhantes e perceber que identidade era aquela. A questão do pecado preocupava-a. Um dia ouviu esta frase de uma crente: "Deus manifesta-se em cada um de nós quando estamos bem e fazemos bem aos outros." Sentiu que poderia ter essa força e arriscou clarificar. Em casa, começou a espalhar discretamente as revistas distribuídas pela rede LGBT até a mãe perguntar: "Aquelas revistas que trazes cá para casa são o quê?" Alexandra falou na ex aequo e explicou o projeto: "E o teu pai sabe disso?" Nessa noite, ao jantar, com as três irmãs e o pai já sentados à mesa, a mãe voltou à carga: "Tu és alguma dessas coisas?" Ela disse: "Tanto poderia casar com um homem como com uma mulher." A mãe ainda tentou dar um ar de normalidade: "Se fosses homossexual, eu aceitava." O pai disse logo que não aceitava e uma das irmãs perguntou-lhe: "O que é que te deu para dizeres uma coisa dessas aos pais?" Alexandra encolheu os ombros: "Porque é verdade."

Hoje acredita que para a sua família seria menos complicado se ela fosse homossexual. Pelo menos, seria uma coisa só. Agora aquilo assim... "Como é que se consegue gostar de homens e de mulheres ao mesmo tempo? Lá está, a questão da promiscuidade. Mas eu sou monogâmica e não tenho namorados e namoradas em simultâneo." Tenta explicar que cada sexo tem as suas diferenças, e ela gosta dessas diferenças. "Sinto-me atraída por pessoas e não por géneros", diz Alexandra. Depois dá conta da frase e desata a rir: "Este é o verdadeiro cliché dos 'cotonetes', não é?"

Pedro Frazão, o psicólogo, esclarece: "Esse é precisamente o discurso da bissexualidade. Interessa é o que se sente por determinada pessoa, independentemente do sexo. Como há uma maior abertura em relação à homossexualidade, essa abertura reflete-se, naturalmente, nos jovens, e observo que cada vez os discursos são menos estanques em relação aos rótulos identitários. Nestas faixas etárias tem-se, naturalmente, menor dificuldade em definir atrações e experiências e há uma noção cada vez mais clara de que todos os percursos são diferentes."

Os pomossexuais. "Já ouviu falar em pomossexualidade?", pergunta Ruben. Espreitamos a Wikipédia: "Pomossexual é um neologismo que descreve pessoas que evitam rótulos restritos como hetero, homo ou bissexual."

Ruben Santos, Raquel Bravo, Marta Cardoso: 19, 17 e 20 anos, respetivamente. São estudantes associativos e muito empenhados em causas cívicas. Ruben e Marta conheceram-se na Associação do Liceu Padre António Vieira. Raquel é animadora de teatro comunitário e amiga de Marta. Os três afirmam perentoriamente que não gostam de definições: "Os rótulos são muito limitadores. Acredito que, ao longo da vida, qualquer pessoa pode sentir emoções pelo sexo de que é suposto gostar e pelo que é suposto não gostar. Não conheço ninguém da minha idade que não sinta essa atração", conta Marta, referindo o seu interesse por raparigas e a maneira como gosta de viver cada uma das suas relações. Por agora está menos interessada no género masculino. Mas, aos 18 anos, ainda nada precisa de ser definitivo.

Também Raquel Bravo tem dificuldade em usar claramente uma palavra que a classifique: "Sei o que não sou", diz, tentando clarificar. "Não sou hetero, nem homo. Durante cinco anos tive um namoro fortíssimo com um rapaz que morreu e depois a minha relação com os homens mudou. Era como se estivesse a traí-lo. Quando entrei no meio artístico, tive as minhas primeiras relações lésbicas", conta Raquel descontraidamente: "Não quero casos. Quero definitivamente estar com alguém que seja minha e eu dela. Não sei se será um homem ou uma mulher, também não me preocupa. Gostar é simplesmente gostar."

Ruben Santos, o rapaz que também não sabe se é ou não homossexual, tem a teoria de que todas as pessoas, se pudessem, seriam 'bi' e acredita que só não são por uma questão de educação. "Como é que uma pessoa pode dizer sim ou sopas se não experimentou?", interroga. "Se temos várias opções, porquê aceitar uma só?" Excluir, logo à partida, a possibilidade de atração por pessoas do mesmo sexo pode ser uma construção. "Para um rapaz, custa muito aceitar. Cheguei a ter nojo de mim. Fazia-me confusão a ideia de uma relação estável ou de envelhecer ao lado de um homem. Agora, embora ainda sinta algum medo desse quotidiano, já não penso tanto nisso."

Marta, que em breve irá para a universidade e tem ideias muito próprias sobre o amor, conta que nunca se sentiu excluída ou posta de lado quando está com uma rapariga. Os amigos todos sabem e aceitam. Afirma que na sua geração é normal nos liceus os casais homo andarem abraçados: "Ninguém liga. Nem os professores."

Ruben, apesar das dúvidas, por agora não lhe interessa pensar em escolhas. Neste momento, namora com um rapaz. Mas sabe que quer ter filhos seus. E não é só isso: "Gosto do masculino e do feminino. De proteger e de me sentir protegido quando me deito num abraço", reflete.

"A bissexualidade é a zona invisível", diz Joana, a terapeuta. "A ânsia de sabermos o que somos, de nos definirmos, tem a ver com a eterna necessidade de tentarmos perceber porque nos apaixonamos por A ou por B. Nunca sabemos porque nos apaixonamos, e mesmo para a ciência continua a ser um grande mistério."

(Nota - Diana Cruz, Luís Antunes e Marta Cardoso são nomes fictícios.)

Publicado na Revista Única de 29 de Janeiro de 2011

 

Via Expresso

03
Fev11

Cabo Verde, A arte de fazer muito com pouco e a procura de vida melhor

olhar para o mundo

Viver em Cabo verde

 

A capacidade de fazer muito com pouco está bem personificada em Elias. Na lata rectangular vertical de azeite que transformou em panela, já negra de muitas idas ao lume, vai pondo pequeníssimas porções de batata inglesa, cebola, cenoura, pimentão, coentros, salsa.

Como se de mestre cozinheiro se tratasse, acrescenta peixe que lhe deram no mercado, cem escudos de azeite comprado, um pouco de calda de tomate, um dente de alho, sal e um pouco de água para refogar. Mais tarde há-de juntar-lhe arroz. No areal da baía do Mindelo, à sombra de uma espinheira, vista deslumbrante sobre a vizinha ilha de Santo Antão, paredes meias com o luxuoso complexo turístico Ponto d’Água, ganha forma o arroz malandro que há-de ser para Elias a única refeição certa do dia.

Ar de menino dócil, ninguém diria que este “badio”, como chamam aos naturais de Santiago, era na mais tenra infância, vivida na Cidade da Praia, conhecido pelo nominho de “Arnold”, de Arnold Schwarzneger, pelo seu carácter brigão. É pelo menos o que conta Elias. A briga é agora pelo sustento diário. “À noite posso tomar uma sandes ou se não tiver dinheiro, vou deitar assim.”

As quantidades mínimas de ingredientes do almoço foram-lhes oferecidas, a ele e ao amigo Hernâni, pelas vendedoras de verduras. “Para nós dão”, explica. Afinal, Elias, 17 anos, é para elas um parceiro: vende na rua sacos de repolho, tomate, pepino, abóbora, pimentão, batata doce, mandioca ou feijão verde. Cada um a cem escudos cabo-verdianos, 80 para elas, 20 para ele. É com esse dinheiro, e com os 200 escudos que recebe quando lava algum carro, que paga o azeite e o arroz. E come por vezes um prato de cachupa e uma caneca de café que lhe custam 150.

Reunidos os ingredientes, há que procurar lenha. Acaba por conseguir pedaços desperdiçados de barrotes das obras de distribuição de água e saneamento que uma empresa italiana está a fazer na cidade com financiamento da União Europeia. E avança com a preparação do almoço. Para ele e para Hernâni, 19 anos mas ainda mais ar de criança, filho do Monte Sossego, a trabalhar no mar “desde pequenotinho”, como explica Elias, traduzindo o falar crioulo do companheiro. 

Rede familiar

O espírito de iniciativa dos cabo-verdianos é igualmente bem visível no popular mercado de Sucupira, na Cidade da Praia. O caso de Isilda, que estava de novo ontem no grande mercado popular da capital, mostra-o bem. 

As couves e o repolho que tem à venda são daqui mesmo, de Santiago, e o sal que a 50 escudos o saco de litro mandou-o vir da ilha a que deu nome. O resto do que tem espalhado sobre a bancada metálica e as caixas de madeira - abóbora, batata doce e cebola terra – vem, tal como o carvão, que ontem não tinha para vender, de barco da mais fértil Ilha de Maio, onde nasceu há 49 anos e ano após ano volta. Foi-lhe mandado por familiares e amigos, que também ganham com este circuito informal de distribuição. 

Isilda Oliveira explica que o negócio da maior parte dos cabo-verdianos que vieram de outras ilhas e vendem no Sucupira “é mais roupa”. Produtos da terra, garante, só os de Santiago e ela. Essa foi a forma que arranjou de aproveitar o potencial agrícola que não tinha escoamento na sua ilha e de com ele abrir perspectivas para si e para os seis filhos que deu ao mundo. Foi por isso que se mudou em 1986, partindo, como há gerações os cabo-verdianos fazem, para outras ilhas ou para fora do país. “Lá é bom para agricultura, mas produtos não tem saída. Cá a vida é melhor. Aqui em Santiago dá mais.” Na capital viviam, segundo estimativas oficiais de 2008, quase um terço do meio milhão de pessoas que constituíam a população cabo-verdiana.

 

Via Publico

28
Jan11

Quase um terço da Humanidade está online

olhar para o mundo

quase um terço da humanida de está online

 

Os números são avassaladores: mais de 2,8 mil milhões de pessoas em todo o mundo estão ligadas à Internet. Ou seja, quase um terço da Humanidade - um total de 6,8 mil milhões de pessoas - está online. Mas estes números parecem pequenos quando comparados com a taxa de penetração dos telemóveis: 70% em todo o mundo.

 

“No início de 2000 havia apenas 500 milhões de subscritores de serviços de telemóvel em todo o mundo e 250 milhões de utilizadores de Internet”, indicou aos media o secretário-geral da ITU (International Telecommunications Union), a agência da ONU responsável pelas telecomunicações, Hamadoun Toure. No início de 2011, estas cifras multiplicaram-se por dez no caso dos telemóveis, chegando aos 5000 milhões, e multiplicaram-se por oito no caso da Internet (2000 milhões). 

Em contrapartida, as linhas de telefone fixas diminuíram, pelo quarto ano consecutivo, estando agora abaixo dos 1,2 mil milhões.

A maioria dos internautas (57%) vive hoje em países emergentes, como a China e o Brasil, indica ainda a ONU. 

Sabe-se também que nos países árabes o número de utilizadores de Internet atingiu os 88 milhões, o que significa o dobro dos utilizadores no espaço de cinco anos.

Ainda segundo a ITU, em 82 países (dos 192 reconhecidos oficialmente pela ONU), há actualmente planos oficiais para o desenvolvimento da banda larga, que poderá vir a melhor os serviços de e-governo, nomeadamente nos sectores da saúde, da educação e da descentralização.

Em cerca de metade destes países o acesso à rede através de banda larga é considerado um serviço universal, como a electricidade, e noutros é mesmo considerado um direito legal dos cidadãos.

 

Via Público

18
Jan11

Tudo para ter uma menina

olhar para o mundo

Canberra, Austrália - Um casal australiano, que tem três filhos meninos, está travando uma batalha judicial em seu país para obter o direito de escolher o sexo do próximo filho e dar à luz uma menina. Antes de recorrer à Justiça, eles já chegaram ao extremo de abortar uma gravidez de gêmeos, depois de descobrir que os fetos eram do sexo masculino.

O homem e mulher australianos, que não foram identificados pela imprensa e por autoridades locais, decidiram entrar na Justiça porque as leis do estado de Victoria, onde moram, proíbem a escolha do sexo da criança em inseminações artificiais.

Antes de recorrer ao Tribunal Civil e Administrativo de Victoria, eles tiveram pedido rejeitado em painel independente ligado ao Ministério da Saúde da Austrália, que decide sobre questões médicas.

LEI PROÍBE ESCOLHA DE SEXO

A exemplo do Brasil, a legislação local só permite a escolha do sexo do bebê em caso de riscos graves associados à transmissão de doenças genéticas que ocorrem num determinado sexo. A saída encontrada pelo casal, então, foi argumentar que a mãe, na faixa dos 30 anos, ficou obcecada com o desejo de ter uma menina, e que ter uma filha se tornou necessário para a manutenção de sua saúde psicológica.

Em entrevista ao jornal australiano ‘The Herald Sun’, o casal falou sobre a decisão de abortar os gêmeos: “Foi traumático, mas não podemos continuar tendo um número ilimitado de filhos até conseguir gerar uma menina”.

Menina morreu logo após parto 

O casal chegou a ter uma filha menina, mas ela morreu pouco depois do parto, o que fez a mãe ficar ainda mais desesperada para ter uma filha.

O diretor do instituto australiano Ética Genética, Bob Phelps, não se sensibilizou e criticou os pais, por acreditar que a decisão deles pode influenciar outros casais: “Sinto muito que eles perderam sua filha mas, no interesse da sociedade como um todo, acho que eles deveriam procurar assistência psicológica e procurar outro meio de trazer uma menina à sua família. Eles parecem bons pais e poderiam oferecer um lar a uma criança que precisa”.

 

Via O dia Online

29
Nov10

Morreu o actor Leslie Nielsen

olhar para o mundo

 

Morreu Leslie nielsen

O ator canadiano Leslie Nielsen, protagonista da comédia Aeroplano, morreu domingo num hospital da Florida aos 84 anos, anunciou o seu sobrinho Doug Nielsen.

O estado de saúde de Leslie Nielsen, hospitalizado há 12 dias por problemas pulmonares, começou a agravar-se nas últimas 48 horas, indicou Doug Nielsen a uma rádio de Manitoba, CKNW.

Domingo à tarde, "com os seus amigos e a sua mulher Barbaree ao seu lado, ele adormeceu e morreu", disse.

Nielsen ficou conhecido pela sua participação em várias séries de televisão norte-americanas de sucesso como "Peyton Place", "Dr Kildare", "Le Fugitif", "Kojak" ou "M.A.S.H.".

 

Posteriormente tornou-se uma celebridade a nível mundial graças à sua participação em filmes de culto na área da comédia como Aeroplano (1980), Onde Pára a Polícia (1988), Onde Pára a Polícia 2 1/2: O Cheiro do Medo (1991) e Onde Pára a Polícia 33 1/3 (1994).

 

Via Ionline

23
Nov10

Um comprimido por dia ajuda a evitar a infecção por HIV nos homens

olhar para o mundo

Um comprimido por dia para prevenir a Sida

 

Um comprimido que se toma uma vez por dia pode proteger da infecção por HIV homens que fazem sexo com outros homens. O primeiro estudo que demonstra a viabilidade desta estratégia foi publicado hoje online na revista “New England Journal of Medicine”.

 

O ensaio clínico verificou uma redução de 43,8 por cento de novas infecções pelo vírus da sida entre os homens que tomavam um comprimido que contém dois antirretrovirais no mercado (emtricitabina e tenofovir, vendidos sob o nome comercial Turvada). 

Quer isto dizer que, dos 1248 participantes que receberam um comprimido sem efeitos clínicos (um placebo), 64 ficaram infectados com HIV durante o estudo, enquanto apenas 36 dos que tomaram Truvada adquiriram a infecção. 

Mas a aderência ao regime médico é muito importante. As pessoas que tomaram o medicamento de forma regular e consistente (tomaram-no 90 por cento das vezes em que deviam fazê-lo) viram o risco de contrair a infecção reduzir-se em 72,8 por cento. 

O estudo forneceu “a primeira prova” de que os comprimidos usados para controlar o HIV nas pessoas infectadas podem também ajudar a evitar novas infecções, disse Robert Grant, da Universidade da Califórnia em São Francisco, o líder da equipa que publicou agora o trabalho.

A ideia por trás deste ensaio clínico é nova: até agora, só muito excepcionalmente se usam os medicamentos antirretrovirais antes de saber que se alguém é seropositivo. Se um profissional de saúde entra em contacto com seringas com sangue infectado, por exemplo. Ou, no caso dos bebés de mães seropositivas, os bebés são tratados logo após o parto, para evitar a transmissão do vírus. 

O que se pretende testar é a ideia de tomar um medicamento agora usado para controlar a doença de forma preventiva, para tentar evitar a transmissão do vírus, como mais uma barreira à entrada do vírus do organismo – juntando-se ao preservativo e a outros cuidados. Os Centros para o Controlo e Prevenção das Doenças dos Estados Unidos emitiram aconselharam a que a profilaxia de pré-exposição “nunca seja encarada como a primeira linha de defesa contra o HIV”. 

Participaram no estudo 2499 homens (e transexuais, que nasceram como homens mas hoje são mulheres) que fazem sexo com homens, provenientes do Peru, do Equador, do Brasil, dos Estados Unidos, da África do Sul e Tailândia. A todos foi aconselhado usar preservativos, reduzir o número de parceiros sexuais, fazer análises frequentemente e receber tratamento para outras doenças sexualmente transmissíveis que aumentam as possibilidades de contrair HIV:

Este ensaio, conhecido como iPrEx (Iniciativa de Profilaxia de Pré-Exposição) é apenas um de cinco grandes estudos que pretende apurar a eficácia do uso de medicamentos orais para limitar as infecções por HIV – que se estima serem 7000 em todo o mundo, todos os dias. 

Os activistas da luta contra a sida e da investigação de novas formas de tratar a sida e a infecção pelo HIV receberam a notícia destes resultados com entusiasmo – sugerindo mesmo que a demonstração de que esta abordagem da prevenção funciona pode vir a mudar a prevenção de novas infecções pelo vírus, pelo menos em alguns grupos de pessoas. 

Mas, como sublinha Nelson Michael, da Divisão de Retrovirulogia do Instituto de Investigação do Exército Walter Reed, que assina um comentário ao trabalho também divulgado online pela “New England Journal of Medicine”, estes resultados também nos colocam “verdadeiros desafios”. 

Antes de mais, resta saber se esta abordagem funcionará também noutros grupos de risco para a transmissão desta doença viral, como as mulheres da África subsariana, cujos maridos e parceiros sexuais não usam preservativos, e os utilizadores de drogas injectáveis – cuja via de infecção é diferente. Mas há outros estudos em curso para estas categorias.

 

Via Público

18
Out10

Universitários sobrevivem com 271 euros por mês

olhar para o mundo

Nuno dá voltas à cabeça para aguentar o mês inteiro com os 271 euros da bolsa atribuída pelo Governo de Cabo Verde. “Nem dá para comer na cantina.” Paga 150 euros pelo quarto – uns 20 de água, luz, gás. “Se almoçasse e jantasse na cantina, cinco dias por semana, gastava 94. Ficava com 56. E os materiais escolares? E os produtos de higiene? E a roupa? E o calçado?”

A embaixada de Cabo Verde em Lisboa não diz quantos bolseiros do país residem em Portugal. No ano passado, eram à volta de 300 a frequentar, sobretudo, cursos de “engenharia, economia, direito, administração, comunicação”. Conforme as vagas atribuídas “pelo Governo português no âmbito do acordo de cooperação no domínio do ensino superior”.

Nuno, a frequentar a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, come em casa. Comer na cantina, por 2,15 euros, é um luxo a que só em ocasiões especiais se pode dar. A mãe morreu-lhe aos 12 anos. E o pai trabalha a terra, em São Domingos, interior de Santiago. “Ou não ia para a universidade, ou ia com essas condições.”

Há um grupo a mobilizar-se para engendrar formas de luta – de Cabo Verde e de outros países lusófonos a viver em condições idênticas. Mas Nuno não deposita grande fé nisso. Julga que os estudantes estão demasiado ocupados com a sobrevivência. “É como se te deitassem ao mar. Tens de nadar. Não vais discutir por que te atiraram à água.”

Chega João ao corredor do edifício onde alguns se juntam, sob nome fictício por temerem que o desabafo resulte em algum corte. Foi ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) renovar a autorização de residência para estudo. Pediram-lhe o extracto bancário. “Só?”, exclamou a inspectora, perante um saldo de 175 euros no dia 15. “Minha senhora, isso está muito bem!” Teve de assinar um documento a garantir que é capaz de subsistir.

Já foi pior. Agora, todos os bolseiros recebem 271 euros. Antes, havia três níveis e alguns, como Antónia, recebiam 181 euros. Para se aguentar, a estudante tinha de recorrer aos irmãos. Houve quem não aguentasse. Nuno tem um amigo que não aguentou. Regressou a Cabo Verde.

Afinam-se estratégias. Ser bolseiro do Governo de Cabo Verde é “ser miserável”, torna Nuno. “É comer mal”, detalha Osório, que anda às voltas no supermercado, em busca do mais barato, a adivinhar doenças de estômago. “É pouco ou nada sair à noite”, achega Antónia. Nuno aponta consequências na integração na academia, na cidade. Quem gere um orçamento tão reduzido não pode participar em actividades como a praxe ou os jantares de curso. “Aquela capa custa quanto? 150 euros ou quê!”, interrompe Osório.

As notas também acusam as dificuldades. Habituados a falar crioulo, falha-lhes o português. E não lhes sobra dinheiro para livros ou workshops. Ficam pelos cadernos, algumas fotocópias. “Todos os livros necessrários existem na biblioteca, mas não posso ficar com um mais do que uma semana, porque são milhares de alunos”, salienta Nuno.

Há quem tenha computadores obsoletos, oferecidos pela faculdade na hora de os trocar por novos. Como Osório, como Antónia. Paulo pediu 400 euros para comprar um portátil e pagou-os a prestações. Trabalhou nas férias de Verão. Num ano, pagou uma parte e guardou “um bocadinho”. Noutro ano, pagou a outra.

Osório sente-se encurralado: “Para trabalhar, tenho de ter licença do SEF. Se consigo trabalho nas férias, pedem prova de matrícula e horário, ao qual não se pode sobrepor o horário de trabalho. Se estou de férias, não tenho matrícula nem horário! Não se pode trabalhar legalmente.” No ano passado, arriscou trabalhar na clandestinidade: “Não me pagaram!”

Podiam tentar arranjar um contrato fora das férias, como fazem alguns. Mas isso desvia a atenção dos estudos. E perder mais de um ano lectivo é perder a bolsa de Cabo Verde e a propina paga por Portugal. Sentir-se-iam mais aliviados, se tivessem acesso a residência universitária – alguns tentaram anos a fio sem sucesso. À porta da pastoral católica universitária batem alguns aflitos. “Temos um fundo de solidariedade, tentamos que não seja uma esmola, mas uma ajuda em situação de emergência”, explica o padre António Bacelar. “Tentamos estabelecer metas, como concluir um semestre ou arranjar um emprego.” Acha que há muita “demagogia” nestas vindas de estudantes de países lusófonos. Vê muitos alunos a chegar com expectativas irrealistas.

Ana Cristina Pereira

Público

17/10/10

 

Via Meninos de Ninguém

30
Ago10

Por mais pó que houvesse, não tinha o direito de a agredir

olhar para o mundo

Cheguei a casa, a minha esposa não estava nem o meu filho. Liguei-lhe, mas ela não me atendeu. Mandou-me uma mensagem a dizer que saíra de casa e que não voltaria. Não me queria ver mais. Apresentara queixa de mim por violência doméstica.

Conheci-a há 17 anos. Vivíamos perto. Tínhamos um amigo em comum. Ele namorava com uma amiga dela. Saímos todos juntos. Era de tarde. De noite, fomos a uma festa. O Sport Club de Rio Tinto comemorava a subida à terceira divisão. O José Malhoa dava um concerto. Ela cravou-me 50 escudos para pagar a entrada – não mos pagou até hoje [risos]. Conversámos muito. Quis acompanhá-la. Ela deu-me um beijo a uns 500 metros de casa. Telefonei-lhe no dia seguinte.

Passámos quase 16 anos juntos. Conhecemo-nos a 2 de Julho de 1993. Ela saiu de casa a 20 de Junho de 2009.

Havia muito pó no ar.

Os membros de trás do nosso cão tinham paralisado. Eu estava desempregado havia quatro anos. Tínhamos muitas contas para pagar. Discutíamos por tudo e por nada. Ela gritava e eu gritava ainda mais. Impossível os vizinhos não ouvirem. Eu já tinha vergonha de sair à rua. Naquela noite, ela não se controlou. E eu também não. Dei-lhe um par de estalos.

Ela apresentou queixa por violência doméstica. A polícia alertou a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ). Agora, é assim: sempre que há uma queixa desta natureza, a CPCJ é avisada. A criança é sempre vítima – mesmo que indirecta – de violência.

Estava bastante arrependido. A técnica responsável pelo processo compreendeu-o. E falou-me no Gabinete de Estudos e Atendimento a Agressores e Vítimas – da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto – e do seu programa de intervenção psicológica em agressores.

A ansiedade tomara conta de mim. Até respirar me custava. A 23 de Julho entrei no Hospital de S. João, no Porto, com uma crise. Talvez por isso, de imediato marcaram-me uma consulta.

Há uma diferença entre quem aparece voluntariamente e quem é enviado pelo sistema de justiça [como medida alternativa à pena de prisão efectiva]. Muitos destes últimos não pensam que agiram mal. Isso nem lhes passa pela cabeça. Por isso, não sentem necessidade de mudar.

As consultas dão-me muito alívio. Naquela sala, digo coisas que não sou capaz de dizer em qualquer outro lugar. Admiro o trabalho dos psicólogos. Estão ali a apanhar com o lixo alheio. A gente cala-se, sai, e eles ainda ficam ali, a pensar naquilo que a gente lhes disse. Na psicoterapia, aprendo a colocar-me no lugar do outro. Aprendo a ver as coisas do lado de fora.

Ela andava deprimida. Uma depressão fora-lhe diagnosticada, mas uma amiga que ela muito preza aconselhara-a a não tomar os medicamentos: aquilo causaria dependência e ela não era maluca.

Ela trabalha com pessoas com paralisia cerebral – quatro de dez monitoras engravidaram na mesma altura. Andava com excesso de trabalho. Eu ajudava pouco em casa. E não faltava trabalho em casa. O nosso cão não controlava as funções fisiológicas – defecava e urinava pela casa toda. Coitada, caiu-lhe o mundo em cima. E eu não soube interpretar os sinais, corrigir os comportamentos a tempo. Perdi o meu sonho, a minha família.

Violência doméstica é muito mais do que violência física. Nas consultas, fiquei a saber como é que pequenos gestos podem ser interpretados pela vítima como actos de violência. Ela gritava e eu gritava e agarrava-a. Eu só queria que ela se calasse, mas intimidava-a.

No tratamento, tive de fazer um trabalho escrito sobre como apareciam as discussões, como é que se desenvolviam, como terminavam. Pedi ajuda à minha mulher. Confesso que, no início, pedir-lhe ajuda foi uma desculpa. Tinha saudades de ouvir a voz dela, aproveitei o trabalho para isso. Depois, percebi que ouvi-la era mesmo importante para perceber o que acontecera.

Fiquei surpreendido. Por exemplo, ela deitava-se cansada e eu fazia solicitações sexuais; ela cedia só para me fazer a vontade. Eu não estava a forçar, mas ela sentia-se forçada. Isso tem a ver com o desenvolvimento das coisas. Pelas coisas que eu dizia, pelas expressões que eu fazia, ela sentia-se pressionada, agredida. Ela ganhou-me medo. E eu estava cego de mais para ver isso.

Temos a casa à venda. Havia contas atrasadas de electricidade, água, televisão por cabo. Dividimos tudo. Fiquei com dois créditos. Já os paguei. Agora, estou a pagar o carro dela e ela está a pagar a nossa casa.

Como é que chegámos a isso? O subsídio de desemprego não é nada. Tínhamos despesas para dois salários. Quando fiquei desempregado, tínhamos uma poupança. Gastámos a poupança a tentar perceber o que é que o nosso cão tinha. E quando demos por ela estávamos a recorrer ao crédito.

Por mais pó que houvesse no ar, eu não tinha o direito de a agredir. Hoje, vejo isso de forma muito clara.

O que para mim era um simples par de estalos para ela era um gesto muito forte. Uma mulher que se dedicou 11 anos à vida de casada, que se esforçou para construir uma família, que passou pelas mesmas dificuldades que eu, deve ter pensado: “O que é isto?! Já passámos por tanta coisa juntos e agora estou aqui a levar um par de estalos!”

Infelizmente, não podemos mudar o passado. Se pudesse, de bom grado o faria. Cometi erros. Se calhar agora, se passasse pelos mesmos problemas, teria outras respostas. Sei que há outras formas de reagir à adversidade, que não é com brutalidade que se chega a algum lado. Percebi que se deve gastar mais tempo a pensar nos problemas do que a discuti-los e que se os deve discutir com calma. Se a pessoa está exaltada, o melhor é dar uma volta.

Fomos por ali fora. Um empolava, outro empolava. Ela também cometeu erros. Também levei estalos dela – mas o que são uns estalos dados por umas mãos pequeninas, levezinhas? Felizmente, não foi pior. De vez em quando vejo notícias de homens que matam mulheres. Nalguns casos, já houvera uma ou várias queixas por violência doméstica.

Pedi-lhe perdão muitas vezes. Escrevi-lhe a dizer que lamentava o que acontecera e que estava empenhado em melhorar. Disse-lhe que estava a ser acompanhado por uma psicóloga.

Apesar de me restar um bocadinho de esperança, sei que ela é casmurra: toma uma decisão e não volta atrás. A única coisa que posso fazer é rezar, mas já rezo há tanto tempo….

É doloroso tomar consciência de que posso mudar o meu comportamento, só que isso não terá efeito na relação com a mulher com quem planei passar a minha vida. Sei que pode ter [frutos] numa relação que eu possa vir a ter, mas eu ainda não consigo imaginar a minha vida com outra.

Deixei de viver na nossa casa. Chegava a casa e não tinha o meu filho a correr para mim, era aquele vazio.

Ela proibiu-me de ver o meu filho. Mandou-me uma mensagem a dizer para não me aproximar: se eu me aproximar, chama a polícia. Ele estava a bater num miúdo mais pequeno. Eu dei um berro, porque estava longe. Ele contou à mãe e ela proibiu-me de o ir buscar. O meu filho nem me atende o telefone. Se o meu filho fizer uma asneira, não o posso repreender?!

Dava uma ajuda e deixei de dar. Primeiro, ela não aceitava. Depois, exigia. Eu mandava pelo meu filho. Não vou lá meter à caixa de correio… Neste momento, nem tenho. Há dois meses, tornei a ficar desempregado.

Já pensei em ir ao tribunal de família, mas isso ia agravar a situação. Vou esperar que acabem as férias.

Custa-me imenso não poder falar com o meu filho. Nem sequer saber se está bem ou se está mal.

Há 15 dias, desisti de tentar falar com ele. Sempre que eu ligava e ele não me atendia, eu ficava muito ansioso. Durante uma hora, não conseguia pensar noutra coisa, não me conseguia concentrar no que quer que estivesse a fazer. Estou a fazer voluntariado, a dar formação de informática – para evitar o ócio, porque o ócio é prejudicial, mais ainda numa situação como a minha.

Já me sinto diferente. Estou atolado em problemas. Almoço e janto em casa dos meus pais, se não morro de fome. Procurar emprego é caríssimo. Muitas vezes, não dá para ir de metro ou de autocarro às entrevistas, é preciso ir de carro. Mas já sei que não vale a pena ficar agressivo, violento. Tenho de ter calma, de encontrar soluções. Tenho investido em formação para alargar o meu currículo. Faço voluntariado para me sentir útil.

Pedi ajuda para mim… Quem sabe se ao corrigir-me também ajudo outros a corrigirem-se?

Texto escrito a partir de entrevista com o agressor em tratamento no Gabinete de Estudos e Atendimento a Agressores e Vítimas da Universidade do Porto. Além deste, existem a Unidade de Consulta em Psicologia da Justiça da Universidade do Minho (Braga) e o Serviço de Atendimento e Avaliação Psicológicos da Universidade Lusófona (Lisboa). O Hospital Sobral Cid (Coimbra) e a Direcção-Geral de Reinserção Social também têm consulta especializada.

Ana Cristina Pereira
Público
17/08/10

 

Retirado de Meninos de ninguém

21
Jul10

Os mistérios e segredos dos gémeos

olhar para o mundo

 os segredos dos gémeos

 

Todos temos um património genético único. Todos menos os gémeos verdadeiros, aqueles que são como uma gota de água, por partilharem o mesmo ADN. Diabolizados ou endeusados ao longo dos tempos, a similitude de dois seres humanos sempre intrigou o resto dos mortais.

"Quando eu vivia no Gabão, chamavam-me 'la maman des jumeaux'", conta-nos Paula Pimentel - mãe de Gastão e António, os adolescentes da nossa história -, explicando que, naquele país, uma mulher que gera dois filhos em simultâneo é considerada a mãe de todos os gémeos do mundo.

 

A gemealidade tem uma carga mágica tão grande que em certos países de África, até à primeira metade do século XX, o nascimento de gémeos era considerado um acontecimento diabólico e à nascença sacrificava-se o mais fraco.

 

Para Paula, que tem quatro filhos, a educação dos gémeos foi um processo consciente no sentido de contrariar a tendência de se poderem transformar na dupla Dupont&Dupond. "desde o início é fundamental saber distinguir as personalidades, e isso não é nada óbvio", diz, exemplificando: "O Martim, que nasceu a seguir, quando se zangava dizia: 'Os Antónios bateram-me!' Esta é uma boa metáfora do que é ter na família filhos fisicamente quase iguais".

Nos álbuns das fotografias de infância dos gémeos, nem eles nem os outros sabem distinguir quem é quem. Eis outra imagem que nos pode dar a dimensão do que poderá ser iniciar a vida em par.

 

Quando nasceram Helena e Anunciação - irmãs muito loiras e esguias que atravessaram meio século como duas figuras ao espelho - o estudo da psicologia e da pedagogia ainda dava os primeiros passos e o cuidado específico com a educação dos gémeos não era tido em conta. Nelas, as semelhanças foram alimentadas em detrimento das diferenças. Ainda hoje formam um núcleo tão cerrado que sentem nunca ter cortado o cordão umbilical.

 

Miguel e Madalena, "irmãos de útero", como dizem a brincar, são gémeos bivitelinos, formados a partir de dois óvulos. Olhando-os, vemos apenas dois irmãos com as suas diferenças físicas, a começar pelo sexo. No entanto, também eles cresceram como um núcleo uno e tiveram de aprender a libertar-se das amarras invisíveis da sua imensa complementaridade. Nas suas vidas de adultos, independentes e separados, nunca perderão a inexplicável sensação de estarem sempre em companhia.

 

Verdadeiros ou falsos, os gémeos continuam a ser um mistério. A circunstância natural da sua gestação ainda não é totalmente explicada pela ciência. Durante o século XX, inúmeros estudos sobre o tema alimentaram discussões apaixonadas sobre a natureza genética e psicológica dos gémeos e a ocorrência deste nascimento é celebrada em vários pontos do planeta, onde milhares de pares se juntam anualmente para falarem sobre a experiência desta cumplicidade intrigante.Gastão e António Pimentel Guerreiro, Madalena e Miguel Wallenstein, Helena Pilar e Anunciação Ricardo. Seis histórias singulares, contadas na primeira pessoa.

 

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Via Expresso

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