Quem tem medo de Lobo Antunes?
Amado por uns, odiado por outros, reconhecido por todos. Lobo Antunes é dos escritores portugueses mais respeitado dentro e fora de portas. Já António, o homem, poucos o conhecerão. Reservado, profundo, visceral, não lhe faltam histórias polémicas, que acabam invariavelmente nos jornais. Talvez ele nem as leia: não lida bem com a crítica e não gosta de dar entrevistas porque as considera irrelevantes. Mas, mais do que tudo, porque uma história de jornal nunca passa disso, de uma história, com toda a ficção e realidade que pode conter: "Sou arrogante, mal-educado, rebelde, geralmente sou sempre o António Lobo Antunes somado a qualquer coisa desagradável. Não corresponde a nada do que sou, a nada", disse em entrevista ao Expresso o autor de "Sôbolos Rios que Vão", o seu novo livro que acaba de ser editado.
Quando o jornalista do "Diário de Notícias" (DN) João Céu e Silva contactou pela primeira vez António Lobo Antunes, o escritor acedeu sem grande reserva ao pedido de entrevista. Dois dias antes do encontro mudou de ideias e recusou. "Disse-lhe que íamos publicar quatro páginas em branco apenas com a justificação dele. Ele acabou por ceder", recorda ao i o jornalista e autor de uma compilação de entrevistas ao escritor. No dia marcado para a conversa, à porta de sua casa, nova investida do autor. "Foi mal-educado, disse-me que não sabia quem eu era, como se quisesse dizer que eu não era ninguém. Não me deixei ficar e tive uma reacção muito violenta. Acho que foi isso que me fez conquistar algum respeito. Em vez de uma entrevista tradicional de 40 minutos, falámos mais de duas horas."
Foi dessa longa conversa que nasceu a ideia do livro, editado em 2009, pela Porto Editora. "Uma Longa Viagem com Lobo Antunes" é o resultado de dois anos de conversas entre o jornalista e o escritor. "Todas as sextas-feiras falávamos cerca de duas horas", recorda Céu e Silva. E embora o escritor seja um homem cheio de reservas nas conversas com jornalistas, não foi o que aconteceu com o repórter do DN. "Ele acha que as entrevistas não acrescentam nada, não justificam a perda de tempo", explica. Talvez tenha sido isso que o levou a desejar - e a verbalizar - o fim de uma entrevista feita por Anabela Mota Ribeiro. Na conversa, o autor de "Memória de Elefante" diz à jornalista que "desde que começámos que desejo que isto acabe". E acabou na pergunta seguinte.
É possível que a frontalidade suscite os adjectivos que o autor não gosta que lhe colem - "sou arrogante, mal-educado, rebelde". Ou talvez explique as suas raras aparições públicas. Mas revela acima de tudo o homem reservado que se esconde por trás das páginas dos livros. "Não se desvenda facilmente. Mas quem lê os seus livros consegue apanhar-lhe as manias, os mitos, no fundo, muito dele", explica Céu e Silva. Seja como for, Lobo Antunes é um homem de poucas palavras - faladas - fora do seu círculo de pessoas próximas. Na rua onde vive, na tabacaria onde compra cigarros ou no café onde toma a bica, ninguém conhece mais do que a sua silhueta. "Falar? Sim, fala bastante. Nunca vem sozinho", brinca um funcionário de um dos restaurantes que o escritor frequenta, na Rua Gomes Freire.
Paradoxalmente, o homem solitário que não lida bem com a exposição pública - "como cidadão praticamente não existo. Não frequento eventos, não participo em nada. Tenho uma vida muito solitária, muito fechada. Não faço vida social" - raramente deixa de dizer o que pensa, sem usar paninhos quentes. Sobretudo no que diz respeito à literatura. Quando José Rodrigues dos Santos lançou "A Vida num Sopro", o vencedor do Prémio Camões classificou o livro de "uma grande merda", confessando ficar "assombrado com pessoas que escrevem livros de dois em dois meses", num país "onde todos são escritores".
Lobo Antunes é um autor disciplinado, que vive para a escrita e dificilmente consegue pensar noutra coisa quando tem um livro em mãos. "Uma vez perguntou-me o que é que eu achava que os portugueses gostavam de ler. Irrita-se e interroga-se com o facto de as pessoas não conseguirem entender os seus livros. E porque vende menos do que alguns escritores sem o seu génio. Nos momentos em que não consegue escrever, e tudo isso lhe vem à cabeça", acredita João Céu e Silva.
É provável que um sentimento semelhante lhe provoque alguma crispação, sempre que lê uma crítica. Não que Lobo Antunes não saiba viver com ela - "nunca disse nada [a um crítico], posso não gostar mas nunca digo nada" - mas a verdade é que já deixou escapar várias vezes o seu desagrado. Em 2007, depois de um texto de Pedro Mexia sobre o seu livro "O Meu Nome é Legião", Lobo Antunes reagiu mal: disse não o conhecer e que "o homem não percebeu nada daquilo". A resposta não tardou: numa réplica publicada no seu blogue, Lei Seca, Mexia recorda o seu encontro com o autor, na Feira do Livro, quando este o elogiava e assinava um livro seu - "Para Pedro Mexia, porque gostei do seu livro".
A rivalidade com Saramago Uma das maiores polémicas alimentada nos jornais foi a suposta rivalidade entre José Saramago e António Lobo Antunes. Numa reportagem feita para o jornal "Tal&Qual", Frederico Duarte Carvalho vestiu-se de Pai Natal decidiu oferecer prendas a famosos. Um dos escolhidos foi José Saramago, que recebeu das mãos do repórter o "Livro de Crónicas" de Lobo Antunes. Na altura, especulou-se que o Nobel da literatura teria atirado o livro para o chão. Mas as palavras foram: "Tome, não aceito e considero isto uma provocação."
Também o humorista Jel quis alimentar a polémica, quando Lobo Antunes se encontrava a promover um livro nos EUA. "Fiz-lhe uma entrevista na biblioteca pública de Nova Iorque, fazendo-me passar por um brasileiro que pensava que ele era o prémio Nobel português, Levou tudo na desportiva."
Polémicas à parte, a verdade é que Lobo Antunes esteve cotado na lista dos eleitos da uma das principais casas de apostas para o prémio Nobel da Literatura deste ano. E serão poucos os escritores vivos com o seu génio. Em tempos, terá vivido o desgosto do Nobel de forma intensa. Há quem diga mesmo que "morreu durante alguns anos" por não ter ganho o prémio. Mas, se dermos como certa a praga de Saramago - que acreditava que nenhum autor português ganharia o galardão enquanto ele estivesse vivo - talvez se renove a esperança de ver novamente um português em Estocolmo. Se assim for, Lobo Antunes é o grande candidato.
Via Ionline