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Um olhar sobre o Mundo

Porque há muito para ver... e claro, muito para contar

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Um olhar sobre o Mundo

13
Jul10

Saramago e Deus conversam no hall do Purgatório

olhar para o mundo

Finalmente estiveram frente a frente. Deus e José Saramago olhos nos olhos depois de uma vida de conflitos, dúvidas e desencontros. Saiba como correu a conversa.

São Pedro entra esbaforido no gabinete do Criador: - Senhor! Vinde ver quem ali está no Hall. Não vai acreditar.

- Pedro, tu nem imaginas as coisas em que eu tenho de acreditar para continuar metido nisto. E não te esqueças que sou omnipresente. Sei perfeitamente quem ali está fora sentado a ler a revista `Hola´ de perna cruzada na terceira cadeira a contar da jarra chinesa de péssimo gosto. Mas vamos lá ver em que lhe podemos ser úteis.

- Olha quem aqui está, o José de Sousa Saramago. A que devemos a honra de o receber neste humilde estabelecimento. Vens-te purificar?

- Não. E não fiques com ideias que eu não vim para ficar. Venho só saber o preço do condomínio.

- Essa é boa. E quem te disse que tinhas o céu como garantido. Isto por enquanto ainda tem uma gerência. Temos o direito de admissão devidamente reservado.

- Sou um homem livre. Vivo onde e como quiser. E tu, não te passa essa mania de controlar tudo e todos? Já ia sendo altura...

- Isto aqui não é Lanzarote, José. E não me fales assim se faz favor. Achas mesmo que eu não controlo tudo o que criei? Então diz-me cá, quem te trouxe até aqui? Vivo não estás com toda a certeza. E aqui só entram dois tipos de pessoas: os que aqui trabalham ou os que mandei chamar. E não me lembro de te ter contratado.

- Deixa lá o tom paternalista que eu não sou teu filho apesar de ter o mesmo nome do verdadeiro pai dele. Vim pelas minhas próprias pernas. Não vim agarrado às asinhas de um anjo ou de táxi celestial. E achas mesmo que estou morto? Não aprendes.

- Não estás? Então? Não me digas que é mais uma jogada de marketing para venderes mais uma edição do último livro. E uma vez mais às minhas custas. E não te atrevas a insultar-me novamente ou segues já para junto do tio Lúcifer. Ia-te fazer bem sentires o quentinho da besta por um bocadito. Talvez mudasses de atitude.

- Fala o roto ao descosido. Ou não fosse a Bíblia o livro mais vendido da Historia da Humanidade. O marketing nasceu na Igreja Católica, meu caro. Mas não, não morri, fica descansado. Estarei eternamente vivo. Um pouco como tu, com a diferença que a mim toda a gente conheceu a cara.

- Muito bem. Os meus parabéns. Estamos portanto na presença de um milagre, acontecimento que continua a ser gerido por um dos nossos departamentos. Como vês tenho tudo controlado.

- Registo o cinismo habitual, mas não percebeste. Um escritor nunca morre enquanto alguém o continuar a ler. É um milagre sim. Chama-se milagre da literatura. Agora vou andando que se faz tarde. Passa bem. Adeus.

Via 100 Reféns

26
Jun10

O Aníbal, o Cavaco e o Presidente

olhar para o mundo

Ao faltar ao funeral de José Saramago, o Presidente da República mostrou que põe o cidadão Aníbal e o político Cavaco acima do cargo que ocupa. Mostrou ser demasiado pequeno para representar o País.

 

José Saramago e Cavaco Silva nunca se admiraram um ao outro. Por causa de um obscuro subsecretário de Estado de Cavaco o escritor terá mesmo abandonado o País. Por isso, se Aníbal Cavaco Silva tivesse comparecido no funeral de José Saramago muitos diriam que se tratava de hipocrisia. Mas, ainda assim, o Presidente da República tinha de ir e aguentar com dignidade essa acusação. Porque as críticas que lhe fariam, pondo em causa o homem, deixariam intacta a instituição que ele representa. Porque quem lá estaria não seria Cavaco SilvaSeria o Presidente da República portuguesa.

A justificação que Cavaco Silva apresentou - não era amigo ou conhecido do escritor - e a verdadeira razão porque esteve ausente - não suporta prestar homenagem a alguém que o enfrentou - são absurdas mas reveladoras. Absurdas porque as funções de representação de um Presidente não são para os amigos. Reveladoras porque mostram que temos como Presidente da República alguém que não consegue ser maior do que o cidadão Aníbal e do que o político Cavaco.

É indiferente se o cidadão Aníbal alguma vez conheceu ou foi amigo de José Saramago. É irrelevante o que o político Cavaco sente em relação ao escritor Saramago. Sendo um momento importante para o Estado português, ninguém faria questão que lá estivessem o Aníbal ou o Cavaco. Mas o Presidente da República, esse, nunca poderia faltar à última homenagem ao único prémio Nobel da Literatura de língua portuguesa. A um dos mais importantes escritores do século XX. Àquele que, com Fernando Pessoa, atingiu maior notoriedade internacional. É incoerente decretar dois dias de luto nacional e depois estar ausente da cerimónia oficial.

Cavaco Silva mostrou este fim-de-semana que, mesmo no cargo que ocupa, não consegue ser mais do que ele próprio. Não consegue representar o País. E um Presidente que não está acima da sua pequenez, que não percebe a grandeza de um cargo que o transcende, é e será sempre um mau Presidente.

Dito tudo isto, este episódio infeliz com Cavaco Silva, a ignorância de Sousa Lara, a triste reacção do jornal oficial do Vaticano à morte de um grande escritor e outras tantas irrelevâncias não merecerão uma nota de rodapé na História. Já o "Memorial do Convento", o "Levantados do Chão", o "Ano da Morte de Ricardo Reis" ou a "História do Cerco de Lisboa" ninguém tira à nossa literatura. E isso é que conta.

 

Via Expresso

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