![Jogos eróticos]()
Tudo pode começar como uma brincadeira. Na cama, entre beijos e amassos, ele tapa-lhe a cara com uma almofada. Ela debate-se, estrebucha - mas percebe que isso lhe dá prazer. Juntos começam a explorar. Estendem os períodos de asfixia, assumem papéis de submissa e de dominador. Os orgasmos são cada vez mais intensos. A certa altura trocam a almofada por uma mordaça. O breath play (jogo da respiração) é assumido - e sempre consensual, descreve bondarina, de 45 anos, submissa há oito, uma das figuras mais destacadas da comunidade de BDSM portuguesa.
BDSM é o acrónimo reconhecido em todo o mundo para Bondage Domínio Sadismo e Masoquismo. Entre as várias práticas sexuais que os membros do grupo adoptam, o breath play ou asfixia erótica, retratado no filme de Nagisa Oshima, "O Império dos Sentidos" (1976), é um dos mais comuns, adianta pelo telefone - mas não é exclusivo desta comunidade. Entre os casais baunilha (que não incorrem em rituais fetichistas ou de BDSM), diz, "há mulheres que só atingem o clímax quando os maridos lhes tapam a boca com a mão e vice-versa".
Euforia Quase todos os submissos procuram o estado eufórico causado pela redução de oxigénio no cérebro (ou hipoxia), mas nem todos os dominadores estão dispostos a satisfazê-los, continua bondarina (sempre com letra minúscula; só os nomes dos dominadores podem começar por maiúscula). Sabem que é tão excitante como arriscado. E a regra número um do BDSM é o bom senso, reforça. Por isso é que condena a prática irmã da asfixia erótica, a asfixia auto--erótica, que há um mês, com a morte do actor David Carradine, voltou a ser discutida. "É um comportamento um bocado desviante", diz. "Basta uma corda mal puxada ou um lenço mais apertado e há uma asfixia imediata ou uma traqueia partida."
Aos 72 anos, o protagonista da série "Kung Fu" foi encontrado morto dentro do roupeiro de um quarto de hotel em Banguecoque. Estava nu, tinha uma corda à volta do pescoço e outra a amarrar os órgãos genitais. A polícia tailandesa começou por suspeitar de suicídio. Quinta-feira passada, o patologista forense contratado pela família confirmou que a asfixia tinha sido a causa da morte, mas descartou a hipótese de ter sido voluntária. Só esta semana é que o Dr. Michael Baden, que investigou casos tão mediáticos como as mortes do presidente dos EUA, John F. Kennedy, e do vocalista dos Sex Pistols, Sid Vicious, vai divulgar as conclusões finais. Em 2003, a ex-mulher de Carradine já o acusara de "comportamento sexual desviante potencialmente mortal", lê-se no processo de divórcio divulgado pelo site The Smoking Gun.
Tanto a auto-asfixia erótica como a asfixia erótica são consideradas parafilias, ou seja, "preferências por estímulos sexuais pouco usuais e que podem ser consideradas um problema médico", avança o psiquiatra Afonso de Albuquerque no livro "Minorias Eróticas e Agressores Sexuais" (Dom Quixote). "Ao contrário de outras parafilias, [a auto-asfixia] é particularmente perigosa", lê-se, daí justificar-se "uma intervenção terapêutica urgente". Com um parceiro é "menos perigosa", continua, "mas mesmo assim a falta de oxigénio nunca pode ser benéfica para o corpo". A terapeuta sexual Patrícia Pascoal acrescenta: "Os comportamentos parafílicos são preocupantes quando se tornam exclusivos, rígidos e são sentidos como limitativos para a própria pessoa."
Orgasmos fatais Em Portugal, calcula-se que haja entre cinco e dez mortes anuais causadas pela asfixia auto-erótica, prossegue Afonso de Albuquerque. Nos EUA, os números são ainda mais impressionantes: entre 500 e mil mortes; a maior parte das vítimas têm entre 12 e 25 anos. Em todo o mundo há casos famosos, como o do vocalista da banda INXS, Michael Hutchence, encontrado morto em Sydney em 1997 (embora a versão oficial aponte para o suicídio) e o da japonesa Sada Abe, que asfixiou o amante nos anos 30 e inspirou o filme "Império dos Sentidos".
Bondarina recorda o caso de um casal amigo perto dos 40 anos que apanhou um susto valente em plena asfixia erótica quando a mulher perdeu os sentidos. "Ele ficou tão perturbado que durante um ano não quis saber do BDSM", conta. Defende que devia haver uma idade mínima para se entrar no sadomasoquismo, os 30 anos. Ainda assim, os acidentes são raros, assegura. "Há três premissas básicas. As práticas têm de ser sãs, seguras e consensuais", diz. Até porque se mal executadas quase todas são perigosas, do needle play (agulhas) ao wax play (cera), passando pelo branding (ferros em brasa).
A dominadora Foxy, de 30 anos, concorda. Defende que as únicas práticas que não envolvem riscos são a humilhação verbal e a chuva dourada. Por isso "é preciso estudar muito", diz. "Numa sessão de spanking [espancar] evito sempre a agressão em zonas perigosas." Uma vez, enquanto era amarrada com cordas (shibari), lembra-se de ter deixado de sentir o braço. Foxy gritou: "Soltem-me o braço, por favor!" Também podia ter usado uma safe-word, uma palavra combinada com antecedência que determina o fim do jogo. Afinal, apesar das fronteiras ténues, o que aqui está em jogo é o prazer, como diz bondarina: "Estou no BDSM enquanto não me sentir violentada. Pode haver mais riscos, mas vale a pena."
Via ionline