Pôr um tampão ou fazer um exame ginecológico pode ser uma 'tortura' para mulheres que sofrem do mesmo problema de Rita: o vaginismo. Embora não seja a mais comum, a contracção involuntária dos músculos da vagina pertence ao leque de disfunções sexuais femininas que levam mulheres de todas as idades e orientações sexuais a procurar ajuda. Na maioria das vezes, ao fim de anos sofrimento em segredo.
"Ninguém ia entender. Era vergonhoso de mais para mim". Por isso mesmo, nunca em cinco anos do seu primeiro casamento Rita contou sequer a uma amiga o que se passava dentro das quatro paredes do seu quarto. "Eu sentia desejo, tentávamos de vez em quando, tínhamos carícias, fazíamos sexo oral, chegava a atingir o orgasmo, mas como ele não pedia mais, acabámos por fazer disto um tema tabu e acomodámo-nos à situação." Situação essa que acabou por resultar no fim inevitável da relação.
Procurar ajudaO problema apenas ganhou nome quando conheceu o actual companheiro que, após algumas tentativas frustradas de relações sexuais, foi em busca de respostas à Internet. A informação "era pouca", mas foi o suficiente para dar o passo de finalmente procurar ajuda. "Ele disse-me que estava do meu lado e que juntos íamos ultrapassar o problema. Acabei por ir a uma ginecologista que me aconselhou um psicólogo. Só aí percebi que não era anormal e que havia solução."
A solução chegou pouco a pouco, ao longo de quase um ano de terapia. Primeiro identificou-se o momento de associação de dor à penetração, que no caso de Rita aconteceu quando foi vítima de abuso sexual aos treze anos. Depois de aprender técnicas de relaxamento para controlar a ansiedade, Rita e o companheiro começaram a fazer pequenos exercícios juntos. Actualmente já consegue consumar a penetração do pénis e não tem dúvida: a sua vida mudou. "Não me sentia uma mulher a 100 por cento. Chegava a evitar gestos de carinho, antecipando que poderia haver sexo a seguir. Hoje já sou eu que quero. Não vou perder mais tempo da minha vida".
"Mulheres abusadas, violadas ou com primeiras experiências sexuais negativas têm mais probabilidades de desenvolverem dificuldades sexuais", explica a psicóloga Erika Morbeck. No entanto, uma educação rígida, religiosa ou com informação deturpada sobre a sexualidade também são origens comuns da disfunção sexual.
É o caso de Joana para quem a palavra 'culpa' sempre esteve presente cada vez que tentava ter relações com o namorado. "Comecei a namorar muito nova, tinha 12 anos, e os meus pais não achavam piada. Como sempre quis ser a filha perfeita fui criando a ideia de que era errado. Eu própria tinha vergonha de andar de mão dada com ele na rua."
Aos 16, quando achou que era "aceitável" ter relações sexuais, tentou e não conseguiu. "Para mim eu não tinha sequer um buraco. Doía-me e eu afastava-o. Achei que era um problema físico. Quando a ginecologista me disse que eu era normal, não fiquei propriamente feliz, preferia que fosse uma coisa que não dependesse de mim." Tal como Rita, a limitação sexual foi sendo contornada. "Fazíamos tudo o resto normalmente, tínhamos excitação, orgasmo, mas estava sempre presente aquela frustração de saber que havia mais e que eu não conseguia". A resolução chegou aos 22 anos, quando uma amiga lhe marcou uma consulta psicológica. "Entrei no consultório a achar que não tinha cura." Poucos meses depois a penetração vaginal já era uma realidade. "Até chorei de alegria. Sabia que o meu namorado ia fartar-se um dia e que eu nunca poderia vir a ter uma relação estável", desabafa Joana que, acima de tudo, ultrapassou um dos seus maiores receios: não poder um dia engravidar.
Cada caso é um caso"As terapias podem durar semanas, meses ou anos. Cada mulher é um caso", explica Pedro Freitas, sexologista clínico do Instituto Luso-Americano de Sexologia. Entre causas orgânicas e psicológicas, as disfunções sexuais femininas podem ser primárias ou secundárias, centrando-se nas alterações do desejo, da excitação e do orgasmo, muitas vezes ainda associadas às perturbações da dor sexual. "O mais comum é haver disfunções múltiplas: por exemplo, em casos graves de falta de desejo, a mulher não se excita, não lubrifica e dificilmente chegará ao orgasmo".
Quando falta o desejo. Ambos os especialistas dizem que não se sabe ao certo quantas mulheres sofrem de disfunção sexual em Portugal. "Os estudos que são feitos têm todos muito mérito mas também valores muito díspares. Toda a gente mente sobre a sua sexualidade, mesmo em inquéritos anónimos." Contudo, a maioria dos casos que passam tanto pelo consultório de Pedro Freitas como de Erika Morbeck, são de desejo sexual hipoactivo - vulgarmente conhecido por falta de desejo - e anorgasmia, não conseguir atingir o orgasmo. Mais do que traumas psicológicos, as causas são muitas vezes orgânicas, relacionadas com coisas tão banais como a gravidez e a menopausa, o uso de alguns medicamentos ou, até mesmo, contraceptivos hormonais.
Foi o caso de Matilde, que aos 28 anos perdeu o desejo sexual, na sequência de um tratamento para o acne. "A medicação provocava-me candidíase recorrente, o que me levava a não lubrificar, sentir dor durante o acto sexual e, consequentemente, a evitar ter sexo. Ao mesmo tempo comecei também a tomar a pílula e os meus níveis de testosterona ficaram muito baixos."
Embora numa relação de apenas cinco meses, Matilde deu por si a passar semanas sem sequer pensar em sexo. "Sentia-me frustrada porque antes era capaz de passar um dia inteiro a ter relações sexuais ou a magicar coisas e agora se ele não me falasse eu nem me lembrava." Até mesmo a capacidade de ter sonhos eróticos perdeu. Ao fim de dois anos de pouco sexo, incentivada pelo companheiro, pediu ajuda. Aconselhada por um sexólogo parou de tomar a pílula, passou a usar adesivos de compensação hormonal e dois meses depois a vontade voltou, timidamente, a aparecer.
Sejam elas causas orgânicas ou psicológicas, "é muito doloroso assumir que se tem um problema sexual", reforça Pedro Freitas. "As pessoas enganam-se a elas próprias. É frequente começarmos a ter a verdade da situação só à segunda ou à terceira consulta". O sexologista clínico lembra ainda que a falta de desejo pode também ser situacional, ou seja, referente apenas ao parceiro, pelo que nas consultas devem ser analisados todos os ângulos, inclusive a dinâmica do casal.
O peso cultural"Ainda há muito de cultural nisto. Há mulheres que conseguem ter interacção sexual durante anos sem desejo e, por mais chocante que seja, ainda se ouvem frases como 'tenho de fazer o sacrifício senão ele deixa-me'". Contudo, o especialista mantém a esperança de que as gerações mais novas estejam mais dispostas a apoiar as parceiras. "Sem uma boa colaboração do parceiro é difícil ter um progresso tão eficaz e rápido. Os mais novos são óptimos nisso, estão quase sempre disponíveis." Erika Morbeck corrobora.
Quer nos exercícios práticos como no lado emocional, tanto Rita, como Joana e Matilde contaram com o apoio incondicional das suas caras metades. "Ele dizia que ficava feliz só de ver que eu tentava", conta Rita, cujo companheiro deu o passo de viver a dois antes de o problema estar ultrapassado. "Se estivesse sozinha ainda não estaria curada, tenho noção disso". Além da "pesada sombra do factor vergonha", pela cabeça de todas passou a palavra 'infidelidade', mas a confiança nos parceiros falou mais alto. "Eu ia ficar muito triste, mas no fundo não me sentia no direito de achar que ele tinha feito a pior coisa do mundo", salienta Joana. "Ninguém é de ferro e isto aniquila a vida a dois".
Embora as mulheres continuem a "ser mais rápidas do que os homens a assumir que têm um problema e a pedir ajuda", Pedro Freitas deixa claro: "Há quem não consiga perceber que não ter desejo pode ser uma disfunção sexual. Ou que ter dificuldade em lubrificar ou a atingir um orgasmo é um sinal de que algo não está bem. Falamos de saúde. Se fosse um problema no estômago, também receavam procurar um médico?".
(Nota: Os nomes nesta reportagem são fictícios a pedido das testemunhas.)
O QUE É?A disfunção sexual feminina é uma condição que impede a satisfação no acto sexual. É o equivalente à disfunção eréctil masculina.
TIPOS
Primária: que sempre existiu no padrão sexual.
Secundária: alteração de comportamento após a existência de um ciclo de resposta sexual normal.
Anorgasmia: dificuldade persistente em atingir o orgasmo.
Dispareunia: sentir dor durante a relação sexual.
Vaginismo: contracção involuntária da musculatura do terço externo da vagina, impedindo a penetração.
Desejo hipoactivo: falta de desejo sexual.
Via expresso