Raymond Murray, No CSI tudo é falso
Qual foi o caso mais complicado que já resolveu? Raymond Murray endireita-se na cadeira do hotel em Lisboa e começa a contar: "Um homem entra na cave e desliga a luz. Sobe as escadas, viola e agride a vítima. Na luta, três vasos caem ao chão. O suspeito tinha terra dos vasos nos sapatos, mas havia outro pormenor interessante: três pedaços de linha azul (talvez ela estivesse a costurar e tivesse deixado restos de linha no vaso)" Apesar de tudo bater certo, o caso não terminou bem. Houve um pedido do tribunal para reexaminar provas, e não chegou para fazer a diferença. "Às vezes estas coisas acontecem: os advogados de defesa argumentaram que a vítima tinha encorajado a agressão e o suspeito foi ilibado." O pioneiro da geologia forense nos EUA, hoje com 81 anos, arrepende-se de repente de ter escolhido um caso em que a ciência não foi útil. "Já vi isto acontecer muitas vezes, mas é o nosso sistema de justiça e funciona bem."
Murray está em Portugal para uma conferência na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Gosta sobretudo de contar as histórias do crime, desabafa, um talento que lhe valeu uma colaboração televisiva na série "Forensic Files". "Eram casos reais, enquanto no ''CSI'' é tudo falso", resume. Mas a principal crítica à série que deu fama às ciências forenses nem é essa: "O ''CSI'' incomoda-me. Vemo-los a trabalhar no laboratório, e depois a pegar numa arma e a ir à procura do criminoso. Os investigadores têm de ser independentes, trata-se de garantir a integridade das provas com a ajuda da ciência."
A Portugal vem sobretudo para conhecer a professora Ana Guedes. "Lá fora é muito conhecida pelo trabalho que tem feito sobre a análise da cor do solo." Comparar a cor dos minerais é o primeiro passo na análise de provas. "Quando a cor é diferente, a probabilidade de as amostras virem do mesmo sítio é muito reduzida."
Reformado da Universidade de Montana, Murray passou 35 anos a aprofundar a geologia forense, que fundamenta teorias de crime apenas com a análise de minerais. "Na verdade o pioneiro foi o Sherlock Holmes. Conseguia dizer se alguém tinha estado em Londres pela sujidade nas calças e sapatos", brinca o geólogo. Depois da muito avançada ficção de Arthur Conan Doyle, o primeiro caso de polícia foi assinado pelo químico alemão Georg Popp, em 1904. Mais uma vez Murray arregala os olhos para contar a história. O suspeito tinha terra nos sapatos, três camadas. A camada superior tinha gotas de cola e minerais, que coincidiam com o passeio perto da casa do suspeito. A segunda camada tinha minerais que coincidam com a cena onde o corpo foi encontrado. A terceira camada tinha tijolo e pó de carvão de um castelo onde foi encontrada a arma do crime, o cachecol da vítima. "O suspeito dizia que só tinha andado no campo nesse dia, mas não tinha nenhuns minerais compatíveis com o álibi. Foi preso."
Depois do primeiro caso em 1973, a pedido de um agente federal que lhe entrou pelo gabinete com dois sacos de terra para análise, Murray tem-se dedicado a palestras e a casos especiais do ponto de vista científico. Em 2004 publicou a bíblia da geologia forense, "Evidence From The Earth", e está a ultimar a segunda edição.
Via Ionline