Igreja deve respeitar orientação sexual
A posição da Igreja em relação à homossexualidade e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo deve ser alvo de reflexão tanto por parte da instituição católica como por parte da sociedade, defende Clarisse Canha.
A discriminação, o preconceito e a homofobia podem derivar de uma ideia mal formada, isto é, os homossexuais e as lésbicas são pessoas como todas as outras...
Posso falar a partir da minha experiência e da UMAR-Açores, principalmente dos contactos que estabelecemos nas acções de formação junto de jovens e mulheres. Há, por exemplo, jovens que questionam até que ponto a aparência de uma pessoa pode revelar se é ou não heterossexual. O que nós transmitimos é que não se pode definir nem julgar uma pessoa pela aparência. O facto de ser ou não heterossexual tem a ver com a escolha, a orientação, o gosto, a atracção e não com melhores ou piores qualidades. Com os/as jovens tem sido mais fácil desconstruir preconceitos. Lembro, num debate que promovemos com mulheres, que uma delas colocou a questão num outro campo, que passa por uma homo- fobia mais atroz, e que se prende com o facto de um homossexual ter arranjado um compa- nheiro do mesmo sexo sendo que o mesmo foi penalizado pela censura social. Essa mulher disse que iria compreender esta situação e esta declaração teve um eco positivo no grupo. Experiências desse género levam-me a crer que estamos perante uma evolução, mas ainda no patamar do conhecer directo e isso às vezes é traiçoeiro.
As pessoas podem até reconhecer o direito à identidade e orientação sexual, mas num contacto directo a reacção poderá não ser a mesma...
Lembro-me por exemplo de outras situações concretas de jovens, há 20 anos atrás, que assumiram uma relação homossexual e cujos pais os colocaram de parte. Passado algum tempo, o pai e a mãe vieram a compreender, mas sofreram muito e penso que esta é também uma questão de fundo. A homofobia é algo que deve ser combatido porque, para além de tudo, faz sofrer as pessoas. A primeira pessoa a sofrer é a própria vítima da homofobia. Sei que, por exemplo, em determinados países há experiências de trabalho social no sentido de conhecer o impacto da homofobia na saúde das pessoas. E às vezes esse impacto leva a que muitos recalquem sentimentos. E pode até não se tratar apenas da homossexualidade, mas também a forma de vestir ou de andar. Parece-me, por isso, que a desconstrução do preconceito é muito importante.
Numa outra perspectiva, há pessoas que se deslocam à UMAR-Açores para pedir algum tipo de aconselhamento?
Já aconteceram alguns casos, nomeadamente duas pessoas do mesmo sexo que queriam fazer uma vida comum e que esbarram em problemas legais. Neste aspecto, a alteração da lei foi um grande avanço. O facto de ter sido legalizado o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo tem, a meu ver, dois efeitos: o efeito legal de direito e o efeito de discussão pública. Este último esbarra com muito preconceito e muita homofobia, mas faz parte do processo e por muito que possa desagradar a quem gosta ou a quem não gosta de discutir, faz parte desta caminhada. Aquando da visita do Santo Padre a Portugal, ficou a mensagem de que a Igreja é contra duas questões: a despenalização do aborto e o casamento entre as pessoas do mesmo sexo, duas conquistas recentes de Portugal. E sobre isso também deve haver debate público porque as pessoas, no campo da sua religião, continuam a ser pessoas que lidam com a vida, com a realidade, a sua própria realidade. É importante que a sociedade discuta essa atitude ou orientação da Igreja, confrontando-a com a vida e com a realidade. A experiência diz-nos que a Igreja não tem, muitas vezes, ido à frente dos avanços da sociedade. Tem ido atrás e é pena porque isso tem prejudicado a sociedade. Espero que em relação a esta área dos direitos e identidade que a Igreja venha a reflectir em breve.
ISABEL ALVES COELHO
isabelcoelho77@hotmail.com
Via Expresso da Nove