Chumbar na escola não os impediu de ter sucesso
É a um chumbo - e também a uma expulsão do liceu - que Portugal deve um dos seus mais extraordinários romances. Vitorino Nemésio foi expulso do Liceu de Angra, onde reprovou no antigo 5º ano. Aos 16 anos, Nemésio é enviado para a ilha do Faial, para se preparar para os exames do "Curso Geral dos Liceus" (equivalente ao actual 9º ano) e é nessa estada na Horta que começa a desenhar os elementos do "Mau Tempo no Canal". No dia 16 de Julho de 1918, com 16 anos, Nemésio termina o curso geral dos liceus, com a mortificadora média de "10 valores". O mau aluno virá a ser professor universitário e um dos melhores escritores portugueses.
Talvez o pior argumento antimudanças seja o chumbo "exemplar" de Cavaco Silva: o actual Presidente da República chumbou no 3º ano do liceu - actual 7º ano de escolaridade - e o pai obrigou-o a trabalhar na terra e ajudar no negócio da família. Na sua autobiografia, o Presidente da República considera esse chumbo - e a "lição" do pai - um marco na sua vida, que o tornaria depois um estudante aplicadíssimo.
Nem à esquerda nem à direita, houve qualquer complacência para a pedrada no charco da ministra da Educação. O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, admitiu que a ideia tivesse aparecido por causa do "calor". "Não sei se é do calor, pode-se considerar no mínimo um lapso", disse Jerónimo no Algarve. Uma reacção não muito diferente teve o CDS, que resumiu a proposta numa palavra: disparate. Em comunicado, os centristas afirmam que "um sistema educativo sem retenções é triplamente injusto". "É injusto porque não distingue o mérito e o esforço dos alunos que estudam (...), é injusto para os professores, cujo trabalho de avaliação de conhecimentos é em grande medida desfeito por uma norma administrativa (...) e injusto para os contribuintes, já que a promessa de uma escola fácil é um engodo e uma ilusão".
Também para o PSD, "os ministros mudam, mas mantém-se o sinal de facilitismo". O vice-presidente Jorge Moreira da Silva considerou a proposta "grave", errada, "mas não surpreendente". O Bloco de Esquerda afirma que a questão não pode ser discutida "no sistema português como uma mera medida administrativa", contando que "a partir daqui serão tudo são maravilhas".
A "cultura nacional" Na entrevista ao Expresso, Isabel Alçada admitiu que, por uma questão de cultura nacional, este debate pode ser difícil. João Bénard da Costa, o maior dos cinéfilos, escreveu um dia que no liceu era bom a letras, mas "péssimo em ciências" e "uma coisa horrorosa" em desenho. "Até ao quinto ano foi uma desgraça e no quinto ano chumbei. Foi o pior ano de toda a minha vida. Passei em letras, tive que repetir ciências. E voltei a chumbar, com dois valores em Desenho. Foi o desespero total". Para Bénard, "foi um ano negro, sem sombra de dúvida o ano mais negro da minha existência. Se a palavra auto-estima já tivesse sido inventada, a minha andava muito por baixo, o que aos 16 anos não se recomenda", escreveu numa crónica em 2004 no Público.
Patrícia Vasconcelos aprendeu com o chumbo no 1º ano do ciclo (actual 5º ano de escolaridade). "Uma derrota que me serviu de emenda", diz ao i. "Deu-me muita vontade de me afirmar e mostrar que era capaz". No ano seguinte, vai viver para a Jugoslávia e, contra as previsões do director do Liceu Francês, conseguiu aprender francês em seis meses.
Ricardo Costa, director-adjunto do "Expresso", chumbou por faltas no 12º ano, mal se apercebeu de que não iria conseguir média para entrar em comunicação social. "Não me orgulho, mas agi bem, porque entrei no ano seguinte", conclui.
Via Ionline