Imaginam Cavaco Silva a expulsar ciganos de Portugal?
Não. Claro que não. Até porque no dia seguinte a anunciar uma medida deste género o Palácio de Belém ia parecer um stand da Ford, com tanta carrinha Transit estacionada. Mas atenção aos perigosos sinais que estão a ser dados.
O que mais estranheza causou na medida xenófoba deste petit president, um ser bizarro com tiques Napoleónicos e aparentemente uma asa de extrema-direita, foi a aparente passividade com que os ciganos abandonaram de facto o país. Que Sarkozy era má rés não restavam grandes dúvidas. Que a Alemanha vai aproveitar a deixa e fazer o mesmo, poucas restam. Agora o que raio se passa com os ciganos?
Quando li pela primeira vez que o Presidente Francês tinha esta intenção pensei que jamais passaria disso mesmo. Não que a vontade deste viesse a mudar. Julguei apenas que seria forçado a mudá-la. Isto porque na minha cabeça imaginei o que aconteceria se passasse pela cabeça do Presidente português (com o apoio do Governo obviamente, dado que em França o poder é partilhado) ter a mesma atitude, tomando as mesmas medidas. Caos.
Coitado. No dia a seguir tinha os ciganos todos do país estacionados nos jardins do Palácio de Belém. Porque digam o que quiserem mas não conheço povo mais solidário do que este. Um vai para o hospital, o clã segue-lhe o rastro. Montam o acampamento à porta e só de lá saem quando o doente recuperar. Já os vi acampados numa rotunda, sentados em mesas de plástico a grelharem febras em assadores e a estender a roupa num outdoor do Paulo Portas.
Ao segundo dia Cavaco Silva faria uma declaração ao país da parte de trás de uma Transit no meio de uma montanha de edredões e jogos de cama a dizer que tudo não tinha passado de uma brincadeira.
Na revolta unem-se, não costumam perdoar, emudecer ou fraquejar. Normalmente com resultados violentos. Daí o espanto com que assisti ao desenrolar dos acontecimentos em França. A aparente passividade do acto. A revolta calada. Uma resignação ensurdecedora.
Os ciganos, muitas vezes acusados de falta de civismo e desordem, tiveram um comportamento em França que só consigo equiparar ao que vejo em documentários sobre a II Guerra Mundial, quando milhões de Judeus, e no meio deles milhares de ciganos, foram deportados, contra sua vontade, desesperados mas em fila, revoltados mas ordenados até acabarem amontoados num vagão sujo e frio a caminho da tortura e morte. Só por serem Judeus. Só por serem ciganos. Tudo isto aconteceu. E parece não ter servido de lição. Outros tempos. Métodos diferentes. Politicas com outros nomes. Comportamentos assustadoramente semelhantes.
Enquanto escrevia estas palavras votava-se no parlamento português um protesto contra as medidas tomadas por Sarkozy. Toda a direita e o PS (de quem já ninguém espera nada), salvo raras e honrosas excepções, votaram contra. Preferiram esperar e andar a reboque da UE e das suas deliberações, como lacaios sem vontade e identidade própria, sem orgulho ou humanidade, a terem a coragem de repudiar a atitude do chefe de Estado francês em relação ao povo cigano.
Senti vergonha de ser português. Senti vergonha de ter no meu país um Governo e uma classe política que na sua grande maioria agiu de uma forma profundamente cobarde e serviçal. E se para ser europeu é preciso ser isto, prefiro ser só português.
Via Sem Reféns