Campeonato de Pisa: Literatura 1-0 Internet
Os alunos com 'literatura clássica' em casa tiveram em média mais 19 pontos nos testes PISA do que os que disseram ter Internet em casa, que já chegam aos 90%
O desempenho de alunos com literatura em casa nos testes PISA foi cerca de 19 pontos superior aos que disseram ter ligação à Internet. A diferença é visível na leitura, matemática e ciência. Em ambos os casos a média portuguesa é superior à dos 65 países que participaram no estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico: temos mais alunos com literatura e Internet em casa. E em ambos os casos, "ter" tem um impacto positivo nos resultados dos alunos. Mas ter livros tem um impacto maior.
"É curioso porque tem havido um desinvestimento no livro e um redireccionamento para a internet. E nota-se que a leitura tem mais influência no desempenho", diz Paulo Guinote, que lançou o debate sobre estes dados no blogue A Educação do Meu Umbigo.
O professor salienta dois dados que considera interessantes: por um lado, a percentagem de alunos que diz ter internet em casa é bastante superior à dos que dizem ter literatura clássica - 91% contra 59%; por outro, os segundos tiveram resultados cerca de 20 pontos acima dos outros, numa escala de 0 a 800.
Além disso, 16% dos alunos dizem ter menos de 11 livros em casa, 20% menos de 26 e outros 33% entre 26 e 100. A existência de mais livros equivale a resultados melhores nos testes - há um ganho de pelo menos 20 pontos que vai aumentando conforme o tamanho da biblioteca. Só os que disseram ter mais de 500 livros em casa pontuaram ligeiramente abaixo dos que disseram ter entre 201 e 500.
Estas comparações só são possíveis porque a base de dados do PISA 2009 está disponível online e permite aos especialistas explorar a informação recolhida no estudo, cruzando as muitas variáveis apuradas com os resultado de meio milhão de alunos, de 64 países, nos testes de leitura, matemática e ciências.
O psicólogo educacional José Morgado considera que a diferença é um dado interessante, mas que não é possível estabelecer uma relação causa/efeito. "A presença de literatura clássica em casa é um indicador de um nível socio-cultural mais elevado, de famílias mais escolarizadas. E sabemos que a origem das crianças influencia o sucesso escolar. Logo, os alunos vindos de famílias com melhores níveis socio-culturais têm melhores resultado escolares."
Assim, considera que este dado reflecte sobretudo o estatuto das famílias e menos os hábitos de leitura dos jovens. "Mesmo sabendo que têm livros em casa, não temos a certeza que os lêem", lembra.
No entanto, ressalva que a língua - o português - é uma ferramenta fundamental para o sucesso, tanto na leitura, como na matemática e nas ciências. E também para usar o computador e internet da melhor forma. "O computador é uma ferramenta de acesso à informação e fazer com que todos os miúdos tenham acesso promove a equidade. Mas é fundamental que seja bem utilizado, porque senão é apenas um lápis mais sofisticado. Os professores e os pais têm aqui um papel essencial", conclui.
O especialista não deixa de alertar que parte da nossa escola "é inimiga da literatura", porque preocupa-se mais em ocupar o tempo livre da criança do que em estimular a leitura. "Há uma intoxicação e não podemos esperar que estes jovens cheguem a casa com vontade de ir pegar num livro."
Para Paulo Guinote, a diferença de 20 pontos entre os alunos que têm literatura clássica e Internet em casa ajuda a desconstruir a ideia de que os meios tecnológicos devem ser o foco do sistema. "Eu, e sei que outros colegas também, voltei a pedir aos meus alunos para entregarem os trabalhos escritos à mão. Porque quando escrevem, mesmo que estejam a copiar, estão a digerir a informação, em vez de se limitarem a cortar e colar a informação de forma automática", explica o professor.
Via DN