Sexo entre amigos
Muitos anos atrás, lá estava eu, no canto de uma festa, cabisbaixa. Tinha acabado de levar o fora e ser substituída por uma mulher tão feia, mas tão feia, que nem Picasso conseguiria reproduzir suas assimetrias. Então um amigo se sentou a meu lado e pegou na minha mão. Eu me lembro da primeira coisa que disse a ele:
- Parece que enfiaram uma faca no meu estômago.
E, naquela noite, ele tirou a tal faca de mim. Tirou magnificamente, como só um grande amigo poderia fazer. Eu nunca disse obrigada - que coisa feia.
Quando o assunto é sexo entre amigos, cada um tem sua opinião. Uns são a favor; outros, contra; uns dizem que a amizade acaba; outros, que continua; uns se casam com amigos e acham a melhor coisa do mundo e outros ainda juram que não há decepção mais amarga do que uma amizade que degenerou em romance infeliz. Quem está com a razão, afinal? Todo mundo. Em matéria de gente, tudo pode acontecer e, creia, tudo acontece mesmo.
Existe, porém, uma regra que ajuda a prevenir possíveis relâmpagos e trovadas. E é tão simples, mas tão simples que até surpreende. Essa panacéia se chama conversar. Se vocês repararem, todo casal que se dá bem - seja amigo, colega, namorado, ex - trava longas conversas com naturalidade.
A pior coisa que pode acontecer é você ter algo com seu amigo, se apaixonar e não dizer a ele. Numa certa noite, um vinho aqui, uma disposição diferente ali, uma mão na coxa acolá e pronto. Quando amanhece, tudo está como era antes, menos você. Passa-se uma semana e ele aparece com uma novidade: a ex-namorada está voltando de Estocolmo e isso o balançou. Dias depois, ele liga e conta, em detalhes, como foi o reencontro com ela. No mês seguinte, vocês vão tomar um café porque ele está na dúvida se larga ou não tudo e vai para a Suécia com a fulana.
E você lá, com cara de paisagem, bancando a amiga enquanto por dentro está aos pedaços. E tudo por quê? Porque não conversou, não foi sincera, não disse o que sentia. Por medo de perder a convivência com o alvo do seu amor, você prefere continuar no papel de amiga por fora quando não é mais apenas uma amiga por dentro. Abrir o jogo pode resultar numa grata surpresa. Pode também causar dor, mas é sempre melhor do que fingir só para continuar por perto - afinal, quem vive de migalha é pomba.
O que acaba mesmo com qualquer amizade não é o sexo e sim usar o outro, não ser franco, atiçar e cair fora, fazer falsas promessas, fingir que nada mudou, quando mudou. Está certo que amigo de verdade não faz essas coisas, mas nós somos um poço de contradições. Em matéria de gente, tudo pode acontecer e, creia, tudo acontece mesmo. Ainda bem.
* Stella Florence nasceu em 67, tem uma filha, 30 tatuagens e oito livros, entre eles "Hoje Acordei Gorda" e "32 - 32 anos, 32 homens, 32 tatuagens". A mescla de humor e drama, além do verbo ácido, se tornou a marca registrada de sua literatura. Stella é tão alucinada por Gabriel García Márquez que sua cama (sim, sua cama!) tem o mesmo apelido do escritor colombiano: Gabo. Cada louco com sua mania... www.stellaflorence.kit.net
Via Itodas