Bruno Nogueira entrevista Deus
Bruno: Olá, Deus. Esta é a nossa primeira entrevista para um jornal. Estás nervoso?
Deus: Um bocadinho. Queria começar por agradecer o convite. Gosto muito de estar aqui. Eu estou em todo o lado, mas se fosse a escolher um lugar para assentar e constituir família era aqui - nas páginas da "Única". E parabéns pela colecção de DVD da Pantera Cor-de-Rosa, gosto muito. Eu, de certa maneira, sou o avô da Pantera, uma vez que sou o pai de toda a Humanidade, e isso inclui o já falecido Vasco Granja. Bruno: Desculpa, mas deves estar a fazer confusão. Quem oferece os DVD da Pantera é o jornal "Público". Bruno: Tu estás com que idade? Bruno: Ora, o Big Bang foi há 13,7 mil milhões de anos... Bruno: O Big Bang não foi há 13 mil milhões de anos? Bruno: Acho que já fizeram um filme sobre isso que dá todos os anos à mesma hora na televisão. Vendo bem, se calhar não é um filme, é uma religião... Bruno: Portanto, a criação do Universo foi uma brincadeira de crianças. Bruno: Resumindo, estás com a idade do Big Bang mais sete. Ou seja, 28 mil milhões de anos e picos. Isso leva-me à próxima questão: o Charles Chaplin foi pai aos oitenta e poucos, mas tu abusaste e tiveste o teu primeiro filho já com uma idade muito avançada. Como é que foi isso? Apaixonaste-te? Bruno: Mas a mulher era casada... Bruno: Não me digas que o Paraíso não é misto, que me dá uma coisinha má. Ando eu a trabalhar para evitar o bronze do Inferno e, afinal, o Paraíso é um colégio militar com nuvens à volta. Bruno: Troco o sentido da vida por ser o único totalista dessa semana em que vou ganhar o Euromilhões. Não me digas já os números, porque há leitores da "Única" que também jogam. Bruno: Mas existe o julgamento final e essas coisas tenebrosas? Bruno: Não. Já tive, mas troquei-o por uma máquina para batidos de caça. Bruno: Sim. E...? Bruno: Não acredito?! Bruno: Elá. Espectacular. Pareceram uns segundos. Muito bom. Também sabes fazer truques com cartas? Bruno: Mas Deus não tem vassouras? Bruno: Então, aquela parte da Bíblia, Apocalipse 21 ou 22, confundo-os sempre, que diz, e passo a citar: "Quanto aos tímidos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas, e aos fornicadores, e aos feiticeiros, e aos idólatras e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre; o que é a segunda morte." Bruno: Óptimo. Não era nada justo meter no mesmo saco os homicidas e os tímidos - corar não é o mesmo que esfaquear. Bruno: Mas... isto é a Bíblia. Bruno: Não é muito, não. Bruno: Antes de terminarmos, foste tu que escolheste os leitores desta entrevista? Bruno: Pronto, está feito. Depois deixa um recibo verde onde entenderes. Deus: Posso, antes de ir temperar planetas, anunciar o segundo livro de crónicas do "Tubo de Ensaio", que sai no Natal? Bruno: É melhor não. Parece publicidade descarada que entra um bocadinho a martelo. Bruno: Um abraço. Bruno: Porque é que disseste "adeus" duas vezes, uma em cada ponta da página? Bruno: Não vou comentar, vou só deixar duas perguntas em branco para mostrar algum desconforto. Bruno: Bruno: (Texto publicado na Revista Única da edição do Expresso de 28 de Novembro de 2009)
Deus: Eh, lá. Fiz confusão. Não ando nada bem da cabeça. Só para veres como isto anda, no outro dia pedi ao senhor Fernando Guerra de Boticas para me guardar umas caçadeiras, porque achei que ia bem com o nome dele. Depois é que me lembrei que era padre.
Deus: Faz tu as contas, que eu hoje já estive a fazer um terramoto na Ásia...
Deus: Por acaso foi há mais.
Deus: Não. O Big Bang está é muito bem conservado. Ninguém lhe dá mais de 13 mil milhões de anos, mas na realidade ele já fez 28 mil milhões. O Big Bang foi há 28 mil milhões de anos, lembro-me como se fosse hoje: era Dezembro, e estava um calor anormal para a altura; eu tinha 7 anos, e os meus pais tinham ido viajar, e como éramos muitos irmãos esqueceram-se de mim e fiquei uma semana sozinho em casa.
Deus: Não vi. Não vejo filmes desde a estreia da "Saída dos Operários da Fábrica" em 3D. Retomando. Fiquei sozinho em casa e, claro, como qualquer criança, quis logo ir imitar o que o meu pai fazia. Tinha duas hipóteses: usar o estojo de química que estava no laboratório ou vestir-me com as roupas da minha mãe. Optei pela primeira, porque a minha mãe tinha levado o estojo de pinturas. E foi assim que nasceu o Universo.
Deus: Podemos dizer que a Criação se deveu à minha má criação. E, ao sétimo dia, eu não descansei - os meus pais é que chegaram a casa e acabaram com a brincadeira. E, quando viram que eu tinha feito um Universo, mandaram-me para o colégio interno. Pagavam uma fortuna em propinas, porque, entretanto, desenvolvi a capacidade de estar em todo o lado e estava em 78 colégios internos ao mesmo tempo.
Deus: Olha, Bruno, eu já tinha comprado o Porsche descapotável, mas não me sentia mais novo e atraente. Achei que talvez um filho de uma mulher muito mais nova resolvesse a questão.
Deus: Isso é irrelevante. Eu não acredito no casamento entre pessoas de sexo diferente. As pessoas do mesmo sexo entendem-se muito melhor, e isso é essencial para se ser feliz. A felicidade total nunca é mista.
Deus: Bruno, vê lá se começas a apontar o que eu te digo, porque um dia destes eu revelo-te os números do Euromilhões e o sentido da vida e esqueces-te.
Deus: Eu já te disse uma vez que o Paraíso não existe. Já houve, mas já acabou. O Paraíso não tem nada a ver com o Universo e com o Homem. O Paraíso foi uma coisa que eu fiz nas traseiras lá de casa. A ideia era ser uma coisa pequena, com pouca gente, que fosse uma alternativa ao Algarve. Daí o nome - "Paraíso Lagoa Beach". Depois tive de expulsar os caseiros, porque tinham uma cobra e andavam com tochas e a cuspir fogo... Eram saltimbancos, nómadas, e estavam a dar cabo daquilo. Acabei por desistir da ideia e fiz um jacuzi.
Deus: O Apocalipse é um mito. Eu explico. Tens um "Magalhães"?
Deus: Adiante. Como tu sabes, eu controlo o tempo...
Deus: Não deste por nada, pois não? Já passaram dois dias desde que fizeste a pergunta: "Mas existe o julgamento final e essas coisas tenebrosas?"
Deus: Olha lá para a tua barba...
Deus: Bruno, o Apocalipse é um mito porque eu controlo o tempo. Controlar o tempo é uma boa sensação, especialmente quando deixo cair um prato ou um copo no chão da cozinha. Sabes aquele momento em que uma pessoa normal franze os olhos, porque já não consegue agarrar o prato e ele vai partir-se em pedaços? Eu, nesse momento, ponho o tempo a andar para trás e vejo os cacos a juntarem-se e o prato volta à minha mão... Percebeste a imagem?
Deus: Tenho uma da loja do chinês que se carregarmos no on também é uma iogurteira. Mas dizia-te: eu nunca deixarei que o Apocalipse aconteça. Ponho a andar para trás e faço de novo. Vocês são os meus Legos preferidos, nunca vos deixaria arder... muito.
Deus: Isso é tudo inventado. O João tinha uma imaginação espectacular. Foi o primeiro a aventurar-se na escrita de ficção científica.
Deus: A lista é parva e dá a sensação que foi sendo inventada à medida que foram escrevendo. Se tivessem mais tempo, a seguir era: "Os limpa-chaminés e os profissionais de seguros."
Deus: A Bíblia lê-se bem, mas é pouco abrangente. Prefiro o Mahabharata, e passo a citar: "O que for encontrado aqui, pode ser encontrado em qualquer outro lugar. Mas o que não for encontrado aqui, jamais será encontrado em outro lugar." É ou não é bom?
Deus: Hum... Então vou andando, porque deixei Lanzarote ao lume.
Deus: Fui. Para depois não dizerem que não tenho sentido de humor.
Deus: Tens razão.
Deus: Adeus. Adeus.
Deus: É um adeus especial para leitores estrábicos...