![A morte do sexo]()
Parecem um casal normal. Quem vê Maria e André (nomes fictícios) na rua - cúmplices e de mãos dadas - não imagina que, desde que se casaram, em 2007, quase não têm sexo. Ela recorda que, quando namoravam, o sexo existia. "E era óptimo." Ele diz que não consegue "arranjar explicação". Ela admite que não sente vontade. "E das poucas vezes que ele tenta, tento desviar-me de forma subtil", confessa. Ele defende-se e prefere acreditar que é "uma fase". "Uma fase que dura dois anos?", pergunta ela. E silêncio. Desde o início do ano, Maria e André só tiveram sexo duas vezes. No mês passado, resolveram procurar a ajuda de um sexólogo.
O argumento desta história é familiar a muitos casais. Ao final do dia, depois do trabalho, a luz do quarto é perfeita, a cama confortável, os protagonistas estão a postos e conhecem o guião. Mas, na hora do filme, há qualquer coisa que não funciona. Sucedem-se as desculpas habituais. "Talvez amanhã", "Deixamos para depois", "Estou cansado". Um quer, o outro não. O que quer fica ofendido. O que não quer sente-se pressionado. O que quer sempre deixa de tentar. "E quando voltam a ter sexo a pressão é grande, é rápido e fica longe de ser bom", explica a sexóloga Marta Craw-ford - que recebe pedidos de ajuda de casais que já não têm sexo há muitos meses e até anos. "A dada altura, nenhum dos dois está para fretes e cada um trata de si. Desaprende-se de começar a fazer amor e as pessoas tornam-se estranhas", conta.
Porque morre o sexo? O cansaço, o stresse e as preocupações profissionais estão no topo da lista de queixas dos casais que perderam o desejo sexual. E são os piores inimigos de uma relação. "A prioridade das pessoas, hoje, é o trabalho. O sexo e o tempo a dois vem em último lugar", explica a sexóloga. Por isso, a esmagadora maioria dos casais só tem sexo aos fins-de-semana. "Dizem--me frequentemente que depois de um dia de trabalho, só lhes apetece ver as séries da Fox e comer bolachas", conta.
Os filhos também podem acabar com a vida sexual. "Especialmente quando os pais caem no erro de os deixar dormir com eles até serem crescidos, o que mata os momentos de intimidade a dois", refere o psicólogo Fernando Mesquita. "O casal esquece-se que antes de serem pais são um casal", acrescenta Marta. Quadros clínicos depressivos e factores orgânicos e hormonais - como a falta de testosterona - são outras razões que acabam com o desejo sexual. Nestes casos, o acompanhamento médico é imprescindível e pode ser necessária medicação.
A lista não acaba aqui. A gravidez também mexe com a intimidade. "Muitos casais ainda acreditam que ter sexo durante a gravidez é nocivo", garante Marta Crawford. Mas, a menos que exista indicação médica em contrário, o sexo pode e deve continuar até ao parto. "Embora haja posições, como a de missionário, que se tornam mais desconfortáveis", reconhece a sexóloga. Na gravidez, é frequente que as mulheres façam infecções urinárias depois do sexo. "E isso torna--se desconfortável para a mulher."
Sexo não é só coito A penetração, explica Marta Crawford, é só uma das muitas versões do sexo. "Para um casal ter a sua intimidade não tem de recorrer, necessariamente, ao coito." A sexóloga recomenda o sexo oral e a masturbação a dois. "E a maior parte das mulheres até prefere a estimulação clitoridiana à penetração", acrescenta. Fernando Mesquita sublinha que a sexualidade de um casal "tem muitas vertentes e a descoberta deve ser feita a dois".
O problema da abstinência sexual só é, realmente, um problema se um dos parceiros não se sentir bem com a situação. Marta Crawford exemplifica: "Se um homem ejacular rápido, mas encontrar uma mulher que também atinja o orgasmo depressa, corre tudo bem. Há casais que não têm sexo, mas que vivem bem com isso e encontram o seu equilíbrio." Dito de outra forma, a ausência de sexo só se torna, verdadeiramente, num problema quando existe um contraste entre os parceiros - quando um quer e o outro não.
Reacender o desejo "Na terapia digo aos casais que têm de arranjar tempo. Aconselho-os a estarem juntos três a quatro vezes por semana, mas quando voltam ao consultório, 15 dias depois, a maioria conta que só conseguiu estar uma vez e que mais é impossível", explica a sexóloga. Só que o tempo a dois é importante. E a comunicação também. "Falar sobre o assunto é fundamental, a falta de desejo pode facilmente tornar-se um hábito", alerta Júlio Machado Vaz. "Deve falar-se sobre o que não está bem, sem ter medo da reacção do outro. A ideia de que o amor adivinha tudo é um mito", acrescenta Marta Crawford. Há que perceber o que se pode melhorar para que o parceiro se sinta melhor. "Mais beijos ou mais carícias, em vez de se partir logo para o coito. Há muitos homens, por exemplo, que não percebem que a mulher precisa de ser tocada", refere a sexóloga.
Procurar ajuda Há casais que procuram ajuda um mês depois de identificarem o problema. Outros só recorrem à ajuda especializada 20 anos depois. Marta Crawford adianta que são precisas "pelo menos seis sessões, de quinze em quinze dias" para que o problema possa ser solucionado. Fernando Mesquita adianta que a intervenção é feita em três níveis: comunicação, auto-estima e intimidade. "Começa-se por desmitificar preconceitos, identificar as origens do desinteresse sexual e muitas vezes o casal só precisa de receber informação clara", explica a Marta Crawford. No consultório, os casais experimentam terapias sensoriais, vencem vergonhas e medos. Levam trabalhos de casa e prescrições que devem ser cumpridas à risca. "Reencontram-se através de carícias, sessões de massagens a dois e por vezes recomenda-se-lhes que evitem tocar-se nos sítios mais sexuais", explica a sexóloga. "O fim do sexo não significa o fim da relação porque o casal não deixa de existir enquanto tal e não é por isso que deixam de ser amar", explica Fernando Mesquita. Até porque, como refere Júlio Machado Vaz, "a intimidade do casal vai muito além da intimidade física".
Via ionline