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Um olhar sobre o Mundo

Porque há muito para ver... e claro, muito para contar

Porque há muito para ver... e claro, muito para contar

Um olhar sobre o Mundo

18
Jan11

A bíblia é um livro chato

olhar para o mundo

A bíblia é um livro chato

 

A liberdade de expressão há-de ter sempre um limite: a religião. É assim quando alguém diz umas verdades sobre o Corão e é assim quando alguém diz umas verdades sobre a Bíblia. Claro que Saramago não foi alvo de uma fatwa e, em princípio, não precisará de um batalhão de guarda-costas, como Rushdie. Mas a História prova-nos que a Igreja Católica evoluiu à força. Não deixou de queimar gente na fogueira por vontade própria ou por ser moralmente superior ao Islão, mas sim porque foi posta no seu lugar, quando perdeu poder com o (re)nascimento dos Estados laicos - coisa que ainda não aconteceu no mundo muçulmano. Não, não me convencem. Se a Igreja ainda tivesse uma fracção do poder que tinha há 200 anos, Saramago não se safava apenas com umas bocas imbecis a sugerirem que entregue o passaporte português.

(Sabiam que a inquisição espanhola durou até 1834? Já rolavam comboios em Inglaterra e nos EUA nessa altura...)

Vamos então à Bíblia: Saramago disse que estava cheio de episódios cruéis e cenas de carnificina. Factualmente, não mentiu e só quem não leu pode dizer o contrário. Eu li.

(Aliás, ter lido a Bíblia foi um dos mais importantes passos que dei na direcção do meu ateísmo. E estou convencido de que muitos dos que se intitulam orgulhosamente católicos só o fazem porque nunca se deram ao trabalho de a ler. Os inquéritos mostram que nove em cada dez portugueses nunca o fizeram, o que para um país com - supostamente - mais de 90% de católicos me parece pouco.)

O Velho Testamento apresenta-nos um deus odioso, macabro, que exige sacrifícios de animais a torto e a direito, que chacina multidões e primogénitos com um estalar de dedos, que se impõe pelo medo e pelo terror. E não me venham com a eterna desculpa das parábolas e das metáforas. Tretas. Com argumentos desses, é possível ver bondade até nos discursos do Hitler.

A Bíblia não é sagrada, é mundana. Uma boa parte (precisamente a parte de que os padres evitam falar) não passa de um chatíssimo manual de costumes, com descrições detalhadas sobre o modo de degolar cabras no altar e de como verter o sangue em ânforas. E não há mal nenhum nisso. Tudo foi escrito com propósitos políticos e sociais fundamentais para a época, com a religião em pano de fundo. Nada de estranhar, num tempo anterior à eclosão da ciência. De estranhar é gente inteligente e do século XXI continuar a socorrer-se desses textos para nortear a sua vida.

Mais interessante é a fé cega de tanta gente em algo escrito por homens comuns. Sim, a Bíblia foi escrita por homens como os outros, com a diferença de espalharem aos quatro ventos que deus falava com eles.

Mas alguém me explica, por favor, porque é que os que acreditam de olhos fechados nesses tipos são os mesmos que gozam com a Alexandra Solnado, quando a mulher publica um livro a relatar os seus diálogos com Jesus? Que justificação há para crer que uns falam com deus e que outros são esquizofrénicos?

A fé não é motivo para orgulhos. Ter fé no que está na Bíblia e chamar malucos aos que hoje dizem ouvir a voz de deus é ter dois pesos e duas medidas sobre assuntos exactamente iguais. E, se querem que vos diga, até preferia que acreditassem mais nas palavras da Alexandra Solnado. Pelo menos o deus dela não faz mal a ninguém.

 

Via Visão

05
Jul10

a Igreja não vive só de avé-marias.. os escândalos do vaticano

olhar para o mundo

A igreja não vive só de avé marias

 

Gianluigi Nuzzi era jornalista na revista italiana "Panorama" quando lhe foram parar às mãos duas malas com cinco mil documentos sobre as actividades "nada santas" do Instituto para Obras Religiosas (IOR), mais conhecido como banco do Vaticano, entre as décadas de 1970 e 90. O amontoado de papéis incluía extractos bancários, cartas secretas, relatórios confidenciais, balanços sigilosos e, durante 20 anos, foi cuidadosamente compilado por monsenhor Renato Dardozzi, conselheiro do IOR desde 1974 até ao final de 1990. Antes de morrer, Dardozzi deixou uma exigência no testamento: o arquivo que construíra em segredo deveria ser tornado público. "Para que todos saibam o que aconteceu", garante Gianluigi Nuzzi. 

Os documentos deram origem ao livro "Vaticano SA" (Editorial Presença). Uma primeira advertência para os mais cépticos e pouco dados a teorias da conspiração: "Não é um livro contra o Vaticano, mas relata actos de homens que gozaram de uma confiança mal depositada", explica Gianluigi, que até admite ser baptizado, apesar de não ser católico praticante. "Tenho o problema que aflige todos os filósofos. Se o ser humano é um relógio, quem é o relojoeiro? Estou numa fase em que me interrogo sobre a fé", confessa. O investigador, que interrompe a entrevista como i para ir buscar uma cerveja, fica desconfortável quando tem de falar de si próprio, mas entusiasma-se quando se lhe pede para explicar os complexos esquemas que o Vaticano escondeu durante mais de 30 anos.

Uma Igreja nada santa Não é uma história. São vários enredos, que incluem mortes misteriosas, silêncios, suspense, muitos pecados e demasiadas omissões. "No Vaticano a verdade nunca é uma só. Muito menos quando se trata de números", garante. 

O arquivo de Dardozzi permite reconstituir a existência, no IOR, de contas da máfia - por exemplo de Vito Ciancimino, condenado por ligações à Cosa Nostra e à máfia siciliana. O Vaticano terá tentado, também, financiar a criação de um novo partido político. Até os donativos dos fiéis para serem rezadas missas pelos defuntos seriam usados para outros fins. Tudo com base num sistema de contas encriptadas. 

"Eram abertas em nome de fundações que não existiam, como 'fundo para a leucemia' ou 'fundo para as crianças pobres'", recorda Gianluigi Nuzzi. Essas contas eram identificadas apenas por códigos numéricos, que conduziam aos pseudónimos dos seus titulares, como "Roma", "Ancona" ou "Omissis" - este último remeteria para Giulio Andreotti, primeiro-ministro de Itália por sete vezes, pelo partido democrata-cristão. "Ainda hoje não se sabe ao certo quanto dinheiro terá passado por estas contas, mas no mínimo entre 276 a 300 milhões de euros." 

Em Fevereiro de 1992 arranca, em Itália, a operação "Mãos Limpas", que tem como alvo os políticos da primeira república, depois do escândalo do megassuborno Enimont. E é aqui que os magistrados percebem "que boa parte do dinheiro tinha passado pelo banco do Vaticano e era depois depositado em contas no estrangeiro". O esquema era possível graças ao estatuto e aos acordos com o Estado italiano que ainda hoje permitem ao IOR "um modo de operação bancária offshore". O banco também goza de uma administração autónoma na Santa Sé; os seus dirigentes não podem ser interrogados, processados ou presos em Itália. O Vaticano pode até nem responder às rogatórias da justiça, se assim o entender. "Apesar de já ter sido assinada uma convenção monetária entre o Vaticano e a União Europeia que obrigará a Santa Sé, a partir de Janeiro de 2011, a adequar as suas normas às do espaço comunitário no que diz respeito à lavagem de dinheiro", adianta o jornalista. 

O arquivo de Dardozzi permite também perceber que João Paulo II "foi informado das irregularidades em 1992 e nada fez". E que o Papa tem direito a um fundo pessoal e confidencial que escapa aos balanços oficiais que a Santa Sé apresenta todos os anos. Só em 1993, João Paulo II terá arrecadado 121,3 milhões de euros. Até agora, o Vaticano não se pronunciou sobre este livro polémico que já está traduzido em oito países.

 

Via ionline

02
Jul10

Igreja deve respeitar orientação sexual

olhar para o mundo

A posição da Igreja em relação à homossexualidade e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo deve ser alvo de reflexão tanto por parte da instituição católica como por parte da sociedade, defende Clarisse Canha.

 

A discriminação, o preconceito e a homofobia podem derivar de uma ideia mal formada, isto é, os homossexuais e as lésbicas são pessoas como todas as outras...
Posso falar a partir da minha experiência e da UMAR-Açores, principalmente dos contactos que estabelecemos nas acções de formação junto de jovens e mulheres. Há, por exemplo, jovens que questionam até que ponto a aparência de uma pessoa pode revelar se é ou não heterossexual. O que nós transmitimos é que não se pode definir nem julgar uma pessoa pela aparência. O facto de ser ou não heterossexual tem a ver com a escolha, a orientação, o gosto, a atracção e não com melhores ou piores qualidades. Com os/as jovens tem sido mais fácil desconstruir preconceitos. Lembro, num debate que promovemos com mulheres, que uma delas colocou a questão num outro campo, que passa por uma homo- fobia mais atroz, e que se prende com o facto de um homossexual ter arranjado um compa- nheiro do mesmo sexo sendo que o mesmo foi penalizado pela censura social. Essa mulher disse que iria compreender esta situação e esta declaração teve um eco positivo no grupo. Experiências desse género levam-me a crer que estamos perante uma evolução, mas ainda no patamar do conhecer directo e isso às vezes é traiçoeiro.

 

As pessoas podem até reconhecer o direito à identidade e orientação sexual, mas num contacto directo a reacção poderá não ser a mesma...
Lembro-me por exemplo de outras situações concretas de jovens, há 20 anos atrás, que assumiram uma relação homossexual e cujos pais os colocaram de parte. Passado algum tempo, o pai e a mãe vieram a compreender, mas sofreram muito e penso que esta é também uma questão de fundo. A homofobia é algo que deve ser combatido porque, para além de tudo, faz sofrer as pessoas. A primeira pessoa a sofrer é a própria vítima da homofobia. Sei que, por exemplo, em determinados países há experiências de trabalho social no sentido de conhecer o impacto da homofobia na saúde das pessoas. E às vezes esse impacto leva a que muitos recalquem sentimentos. E pode até não se tratar apenas da homossexualidade, mas também a forma de vestir ou de andar. Parece-me, por isso, que a desconstrução do preconceito é muito importante.

 

Numa outra perspectiva, há pessoas que se deslocam à UMAR-Açores para pedir algum tipo de aconselhamento?
Já aconteceram alguns casos, nomeadamente duas pessoas do mesmo sexo que queriam fazer uma vida comum e que esbarram em problemas legais. Neste aspecto, a alteração da lei foi um grande avanço. O facto de ter sido legalizado o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo tem, a meu ver, dois efeitos: o efeito legal de direito e o efeito de discussão pública. Este último esbarra com muito preconceito e muita homofobia, mas faz parte do processo e por muito que possa desagradar a quem gosta ou a quem não gosta de discutir, faz parte desta caminhada. Aquando da visita do Santo Padre a Portugal, ficou a mensagem de que a Igreja é contra duas questões: a despenalização do aborto e o casamento entre as pessoas do mesmo sexo, duas conquistas recentes de Portugal. E sobre isso também deve haver debate público porque as pessoas, no campo da sua religião, continuam a ser pessoas que lidam com a vida, com a realidade, a sua própria realidade. É importante que a sociedade discuta essa atitude ou orientação da Igreja, confrontando-a com a vida e com a realidade. A experiência diz-nos que a Igreja não tem, muitas vezes, ido à frente dos avanços da sociedade. Tem ido atrás e é pena porque isso tem prejudicado a sociedade. Espero que em relação a esta área dos direitos e identidade que a Igreja venha a reflectir em breve.


ISABEL ALVES COELHO
isabelcoelho77@hotmail.com

 

Via Expresso da Nove


30
Jun10

Casamento gay: Fernando e Fernando registam 'enlace' na Sé de Lisboa

olhar para o mundo

Eles passaram pela Sé de Lisboa para as fotografias

 

Fernando Correia, 54 anos, travesti de profissão, sempre sonhou casar vestido de noiva. Hoje concretizou parte da fantasia ao chegar à Sé de Lisboa num vestido branco marfim, mas casamento só na próxima semana e no civil.

“O meu sonho sempre foi casar vestida de noiva e até à data não tinha encontrado a pessoa certa”, confessou à chegada ao largo da Sé, onde reuniu 20 amigos para as fotografias e a festa que se seguiu num restaurante.

Apesar de não ter conseguido formalizar hoje a união, fez questão de reunir os amigos naquele local por fazer um ano que conheceu o companheiro e se tratar do lugar onde casaram as noivas de Santo António, explicou.

Fernando Correia conheceu Fernando Fonseca, 32 anos, em Santa Apolónia. Trocaram olhares, tomaram um café e combinaram um jantar, que os juntou até hoje.

“Foi um jantar maravilhoso e vivemos juntos desde esse dia”, conta 'a noiva', garantindo ter encontrado o homem da sua vida.

“É um homem a sério, não fuma, não bebe, é trabalhador”, diz.

Neste 'enlace', a 'noiva' chegou primeiro, de táxi, e acompanhada pela madrinha, que apresentou como fadista.

Habituado ao mundo do espetáculo, não se esquivou às objetivas e às perguntas dos jornalistas, com quem partilhou pormenores da relação com aquele a que já chama “marido”.

“Tive o prazer de trabalhar sempre como travesti profissional. Tenho um guarda-roupa que é a inveja de todas as bichas de Lisboa”, afirma, enquanto mostra, orgulhoso, o vestido cai-cai e se equilibra nas sandálias douradas de salto alto no irregular piso de paralelepípedos às portas da catedral de Lisboa.

Fernando aguarda ainda pela confirmação do dia em que poderá casar com Fernando no 7.º Cartório: “Espero que seja esta semana. Tenho muitos espetáculos marcados para o estrangeiro”.

Embora mais reservado, o companheiro também não hesita em dizer que este é o seu dia. “Conheci bem a pessoa. Gosto muito de estar com ela”, afirma, lamentando que os pais não aceitem a relação.

“Eu vivo para ela e ela vive para mim”, afiança Fernando, empregado numa empresa de limpezas.

Entre os convidados, apenas os amigos aceitaram partilhar com eles este dia, que quiseram registar em fotografias também no Parque Eduardo VII.

Antes, a 'noiva' foi ainda à Igreja de Santo António, por entre os olhares de quem passava e a curiosidade dos turistas, que levaram para casa mais uma inesperada recordação da visita à velha capital.

 

Via Ionline

28
Jun10

Mulheres por trás do véu

olhar para o mundo

Azul. Profundamente azul. Daquele que voa. Rosa. Femininamente rosa. Daquele que choca. Negro. Lusitanamente negro. Daquele que oculta. Creme. Serenamente creme. Daquele que ora. São as cores dos véus das portuguesas que se tapam pelo Islão.

Convertidas ou já nascidas no seio desta religião, elas decidiram a certa altura que só mostrariam os seus corpos a quem quisessem. Acusadas pela sociedade ocidental de se terem convertido em símbolos da submissão, batalham diariamente para professar a sua fé. Escondem-se nos quartos, enfiam os lenços para o fundo das malas. Ousam-se nos transportes públicos. Sem um fio de cabelo à mostra. Mas dando a cara pela fé que abraçaram.

Karimah, a generosa

 

Se olhar pela janela, vejo o cemitério do Alto de São João. Mas se olhar para dentro daquela casa em Lisboa, descubro o sol de Marrocos. As paredes estão pintadas com cores quentes, o chão coberto com pequenos tapetes também coloridos. Lá reina a suave Karimah, que atende por Vera Soares quando quem chama são não-islâmicos.

O véu de Karimah é azul, fino e transparente. Por baixo, tem uma fita que disciplina qualquer fio de cabelo mais impertinente. No quarto, ao lado da cama e em baixo do espelho, tem um cesto de vime, cheio de véus e lenços, de várias cores. Compra-os em lojas de pronto-a-vestir, são feitos por uma amiga da mãe, são comprados às "irmãs" ou oferecidos e, neste caso, vieram de Marrocos, do Dubai e da Tunísia.

Varia tons e texturas. Só não prescinde daquilo que já não é um adereço, é parte dela. "O lenço é a minha roupa. Sem ele, sinto-me despida! Em relação à minha personalidade, fico mais confiante e, em relação ao meu comportamento, com maior responsabilidade. Porque, ao sair de lenço, não estou a dar a cara só por mim, mas por uma comunidade. Sei que tudo o que faço é controlado e, à pequena falha, as pessoas aproveitam logo. Não vão apontar o dedo e dizer 'aquela mulher, isso ou aquilo', mas sim 'aquela gente, assim ou assado'...", afirma.

Artista plástica, é ela que decora os cantinhos daquele ninho. Aos 30 anos, as mãos redondinhas afagam repetidamente a barriga de cinco meses de gravidez. Quando o bebé nascer, Karimah descobrirá o sexo da criança. Não tem pressa nem curiosidade. Deus já sabe, e é quanto basta. Mais importante será soprar-lhe a oração corânica, ainda na sala de partos. Assim manda a tradição de uma religião que permite o aborto até que a gravidez complete 120 dias. Depois não, que a alma já foi soprada para aquele novo corpo. Mas esta questão não se coloca para Karimah. O bebé é desejado por ela e pelo marido, um músico marroquino.

Naquele dia, em que conta baixinho a sua história, temperada pela timidez de quem se abre, Karimah explica que nasceu numa família católica não praticante. Foi baptizada e fez a primeira comunhão. Mas foi perdendo o gosto pelas idas à igreja, porque se cansou de ouvir "as conversas maledicentes" dos crentes da Foz do Arelho, onde vivia na altura. A sua ligação à transcendência passava por outros caminhos. "Tinha muito preconceito em usar a palavra Deus", explica. Gostava de olhar o céu, ouvir os pássaros. Não precisava de um templo.

Passou por uma adolescência difícil, desintegrada. Preferia ficar em casa. "Sempre achei muito bonito o papel da mulher como alicerce da família", sussurra, enquanto lembra um tempo em que era "completamente ignorante do Islão". Veio para Lisboa com a ideia de abrir uma loja de artesanato. Não era fácil e, para juntar dinheiro, começou a trabalhar numa cooperativa cultural. Lavava a loiça, apanhava os copos sobre a mesa.

O lugar era frequentado por alguns muçulmanos que tocavam num grupo musical marroquino. Fez um amigo que lhe foi explicando os nós que compõem o tecido da fé islâmica. Dali foi um passo até começar a ter aulas de árabe na mesquita central de Lisboa. Deram-lhe um Alcorão em português. Foi-se deixando fascinar e começou a estudar: "Percebi que aquela religião ia ao encontro do que eu sou. Lia o Livro Sagrado e chorava, sem saber porquê."

Este amigo disse-lhe, e ela nunca esqueceu: "Segue o Islão, não os muçulmanos." Assim tem sido e há-de ser. Tanto que, depois de convertida, se casou com um dos músicos marroquinos. Não aquele que a apresentou ao Islão. "Sempre tive muita vontade de ir a Marrocos. Nunca fui até lá, mas Marrocos veio até mim, mas de maneira nenhuma me converti por causa dele!", garante.

A conversão de Karimah aconteceu em Julho de 2008. O casamento veio mais tarde. "Pedi ao xeque: quero ser muçulmana! Arrepia-me ver a fé daquelas pessoas. Que força as move a rezar?", pergunta, como quem ainda constrói a sua própria identidade religiosa. "Dias antes da conversão, já saía de véu e ia toda feliz pela rua", diz Karimah, ainda a sorrir. Mas não foi fácil. Como no dia em que um homem entra no metro e, ao vê-la toda coberta, beija ostensivamente uma medalha de Fátima, a mãe do Deus cristão, que tem o mesmo nome da filha do Profeta. Ou como no dia em que, também no metro, uma mulher, já com alguma idade, lhe pergunta: "É católica?" Perante a resposta afirmativa de Karimah, explode em resposta: "Então, há-de morrer católica!"

"As mulheres não-muçulmanas são piores para as convertidas que se cobrem com o véu. Nós fazemos-lhes muita comichão. Acham que somos submissas, não conseguem compreender que optámos", ri-se Karimah, com o à-vontade de quem já não se deixa magoar.

Hanifa, a monoteísta mais jovem

 

Não pode usar o seu nome cristão porque ainda não se assumiu perante a família. Aqui será apenas Hanifa Ruqayya, a monoteísta, filha do Profeta. Uma talibã para o xeque Munir, imã da mesquita central de Lisboa, que assim a trata num encontro de corredor. Perante o frisson que causa a palavra maldita entre os presentes, o xeque explica e tranquiliza: "Talibã é apenas estudante." E ela é uma estudiosa.

Converteu-se em Dezembro de 2009. Cresceu Testemunha de Jeová, mas aos 18 anos começou a ser assaltada por dúvidas. "Sentia que havia incoerência entre as normas e os comportamentos dos crentes", explica. A insatisfação cresceu: "Sentia que não podia pensar pela minha cabeça." Foi o início de um processo solitário. Hanifa deixou de acreditar em religiões, embora "sempre tenha acreditado em Deus". Começou a estudar todas as crenças. Foram três anos de duro questionamento. E então chegou ao Islão.

A certa altura, saiu de Portugal para se aperfeiçoar profissionalmente e, num país europeu que pede para não identificar, para que não a possam reconhecer, encontra uma vasta comunidade muçulmana. "Fui bem acolhida e fiquei muito impressionada com a modéstia das mulheres e com a religiosidade dos homens. Senti paz, nunca submissão, e aquela era uma imagem desejável para mim", explica.

O YouTube abriu-lhe a porta do Islão. Entrou para um fórum da comunidade islâmica na Internet, contou a sua história e recebeu um convite para assistir às aulas do xeque Zabir. Um fórum de discussão do Islão, aberto a quem quiser participar, aos sábados à tarde, na mesquita central da capital.

Hanifa não se assume porque diz que, se o fizesse, "sofreria represálias". Mas nada a impede de orar, à porta fechada, no quarto da casa dos pais, onde ainda vive aos 22 anos. O véu traz-lhe "segurança". Sem ele, sente "falta de poder, vergonha". "Sou eu que quero decidir que exposição dou à minha imagem", explica. Afinal, a falta do véu é "um incómodo", conclui. Na mesquita, sente-se em casa. Usa o véu. E questiona: "Uma freira usa o véu por opção religiosa, porque é que com as muçulmanas não pode ser o mesmo?"

"Ao usar o véu tenho descoberto que sou muito mais forte do que pensava ser. O conceito de hijab é mais do que um lenço na cabeça, é uma atitude. É um lembrete físico e uma grande ajuda para cultivar a modéstia e a paciência", afirma. Os seus véus são escolhidos "de acordo com necessidades práticas de cada estação, de tecidos respiráveis, confortáveis". Prefere as cores neutras, "como creme, preto ou branco, conjugados com toucas e fitas de cores diferentes".

E Hanifa levanta a ponta da tradição que abraçou: "O hijab esconde a awrah feminina, sendo este termo o conceito islâmico de áreas privadas a serem protegidas dos olhares dos homens que não são da família e que compreendem todo o corpo, excepto mãos, cara e porventura pés." Esta regra deve ser seguida - "sem imposição, porque na fé islâmica não há compulsão" - a partir da puberdade. "Ao não mostrar os seus atributos físicos em público e deixar à mostra apenas o necessário para actividades práticas, a mulher evidencia a sua recusa em obter reconhecimento através do seu sex-appeal, deixa mais explicitamente à vista os seus tributos pessoais, ideias e capacidades, porque o véu tapa o cabelo, mas não o cérebro", defende.

Quando pensa no futuro, explica que gostava de ir viver para Inglaterra, país onde, afirma, não se sentem os olhares "de pena, gozo, curiosidade, raiva, medo ou crítica", que, diz, ainda se sentem em Portugal. "O meu maior desejo é ter liberdade para praticar a minha religião", afirma, convicta.

Maryam, apenas Maria

 

 

Maryam assume que a utilização permanente do véu em público é a sua jihab pessoal (luta interna)
Maryam assume que a utilização permanente do véu em público é a sua jihab pessoal (luta interna)

Nasceu em Vila Real, mas foi em Lisboa que se fez muçulmana. Aos 26 anos, a Maria ex-cristã, ex-surfista, licenciada em Engenharia do Ambiente, com os pés tatuados com algo que não me revela, escolheu seguir o Alcorão e tapar-se por ele. Abandonou o mar, adoptou o jejum de alimentos sólidos e líquidos durante o Ramadão. Estudou e vai partir em Agosto, por sete ou oito meses, para a Indonésia, onde pretende estudar a religião que abraçou e o idioma do país. Uma mulher de fé.

 

Foi há quatro anos que contactou com o Islão, através de um amigo que a apresentou à religião "de forma inspiradora". Cozinhou aquela fé durante dois anos. Depois foi para Inglaterra e lá os horizontes abriram-se de forma irreversível. "Conheci uma comunidade com práticas estabelecidas, e o Islão surgiu-me como uma resposta", explica. Não desembarcou em Lisboa usando o hijab, mas, antes do Ramadão de 2007, já o usava. "Quando se aceita uma religião, aceita-se as suas práticas", prostra-se. Mas a adaptação vai sendo gradual. Todos os dias, são mais uns minutos que se vai cobrindo: "É um processo contínuo, que não acaba."

A mãe era catequista. Custou-lhe ver a filha partir para outra doutrina. Mas soube aceitar. "Tenho a sorte de ter bons pais, nunca tive de esconder a minha fé da família", afirma Maria, tranquila, como só ela parece conseguir ser. Já saiu de véu, acompanhada pelos pais. Diz que não se sente nem discriminada nem objecto de atenção especial. No início, os olhares incomodavam-na mais. O certo é que "cada vez faz mais sentido usar o véu". Diz ainda que "as pessoas têm de ser educadas. Esta nunca será uma situação normal, porque não somos tantas, mas há que banalizar o uso do hijab".

Para Maryam, o véu é sinónimo de modéstia e da necessidade de dizer: "Sou muçulmana e este é o sinal." Diz que sempre lhe fez confusão "como alguém se sente na liberdade de invadir a liberdade dos outros com o olhar." Rejeita qualquer sugestão de que o uso do lenço implique alguma submissão da sua parte: "Vejo a religião de forma libertadora e, se a mulher é obrigada e não se sente bem, mais vale não usar." Sabe que essa é uma "jihad pessoal", a sua luta interna: "Está sempre presente."

Não se maquilha, não usa verniz - cria uma capa sobre as unhas, o que impediria a sua limpeza total, obrigatória para as orações diárias e para poder tocar no Livro Sagrado -, procura a modéstia e a discrição. Só tem três ou quatro véus. Não os muda todos os dias, trouxe-os todos de Inglaterra. "Para quem crê, o véu é a nossa casa. Somos o Islão", resume. E não aceita proibições: "Estamos a falar de liberdade religiosa, algo tão básico como os direitos humanos."

Aminah, a confiável e segura

 

Magra e muito alta, inquieta, será apenas Aminah, mais uma das que não se sente ainda confortável para assumir a sua conversão perante a família. Foi sozinha à mesquita pela primeira vez há três anos. Ninguém a levou. Nenhum marido impositor, nenhum familiar opressor. Foi em busca da libertação de uma fé protestante que não a preenchia.

"Queria algo que realmente me levasse à salvação", afirma, com as mãos inquietas no colo. Toda coberta de negro, com o véu muito bem atado sob o queixo. Diz que sempre foi recatada, não se revia nos comportamentos dos jovens com a sua idade, 23 anos. Começou por fazer amizade com muçulmanos na Internet, através das redes sociais: "Sempre achei que havia algo de especial no Islão."

Os conceitos de decência e modéstia atraíam-na, porque, acredita, "para adorar Deus, a pessoa deve estar despojada de vaidade". E o véu foi a "parte fácil" da conversão. Mais difícil foi separar-se dos amigos da sua crença anterior: "Éramos como uma família."

Aminah só usa o hijab na mesquita. "Não estou preparada para ter mais conflitos", afirma. Afectuosa, abraça e beija as "irmãs" carinhosamente quando as encontra. E diz que, quando se cobre, sente-se "protegida, em paz". Porque, garante, "ama o Islão de todo o coração".

Gostava de casar com um convertido e sonha ir viver para Inglaterra. É que, embora saiba que "não é por usar o véu que uma pessoa deixa de ser ocidental", gostaria de viver num país que não se assustasse tanto com a comunidade muçulmana. "A Europa é tão democrática que devia aceitar o Islão como uma religião - e não como uma cultura invasora", defende. Talvez por isso seja contra o uso da burqua ou do niqab nos países ocidentais: "Tem de haver equilíbrio, e o isolamento excessivo dá má imagem da religião. Não posso falar à sociedade de dentro de uma caixa."

Hanifa, a monoteísta mais velha

 

 

Hanifa. É com a cabeça e o colo cobertos que se sente mais confortável
Hanifa. É com a cabeça e o colo cobertos que se sente mais confortável

Não acredita no acaso. Para tudo haverá uma razão de ser, mesmo que incompreensível à partida. Tem 43 anos e sente que descobriu o seu caminho. Esta Hanifa é Cristina Almeida de baptismo. Solteira, mãe de uma rapariga de 21 anos que, uma vez por outra, já a acompanha à mesquita. Nasceu católica e foi Testemunha de Jeová. Hoje abraçou a fé islâmica e diz que já não muda.

 

As viagens a Marrocos e ao Egipto fazem parte deste percurso de revelação. A chamada para a oração marcou-a. "Mudou algo quando ouvi aquele som", afirma. Sente o véu como uma escolha íntima da mulher. Explica que "ser muçulmano significa submeter-se à vontade de Deus, aceitar o Bem e o Mal que Ele determina e saber que Ele quer o Bem, mesmo que na altura pareça ser o Mal". Começou a estudar o Islão durante o Ramadão de 2009. Achou o Alcorão "complicado" e começou a estudar a língua árabe. A 30 de Outubro do ano passado tinha-se convertido. "Fiz a minha escolha", afirma.

Só usa o véu para ir à mesquita: "Na nossa cultura, é complicado." Está desempregada. É técnica de cartografia e sabe que "usar o hijab era meio caminho para um despedimento". Por isso, aguarda. Mas diz que tem "muita vontade de usar o lenço na rua". A família sabe da sua conversão, mas tem a "certeza de que, se usasse o véu com eles, eles se ririam". E conclui de forma simples: "Não tenho estofo para usar o véu a tempo inteiro."

Reconhece que a sua vontade acaba por resultar numa contradição. Quer usar o véu para ser discreta, mas ao fazê-lo num país ocidental sabe que chama ainda mais atenção sobre si. Nunca se sentiu feia com o hijab, mas diz que os homens ocidentais não olham para uma mulher coberta. Isso, garante, não a incomoda. Dividida entre a sua vontade e a sua circunstância, Hanifa chora quando confrontada com a possibilidade de um dia ver o uso do véu proibido. "Se tal acontecesse, sairia de Portugal. Estariam a privar-me da minha liberdade." Isto porque diz ter chegado ao seu "porto de abrigo". "E daqui já não saio", conclui.

Bibi Fátima, a que se abstém do mal

 

 

Bibi Fátima será a primeira licenciada em Portugal a usar o véu a tempo inteirio
Bibi Fátima será a primeira licenciada em Portugal a usar o véu a tempo inteirio

Serena e determinada, não fala à toa. Tem os seus limites. Evita os excessos de linguagem e de revelações. É especial: foi a única muçulmana de nascença que aceitou falar sobre o uso do hijab. Especial será também, em breve, a primeira licenciada portuguesa que usa o véu em permanência. Não abre mão do que a identifica, mas recusa a exposição excessiva. É Bibi, nome que sinaliza a sua origem indiana, mas é, sobretudo, Fátima, a que leva o nome da filha de Maomé.

 

Nasceu em Moçambique há 27 anos e foi há dez que decidiu cobrir os cabelos. A mãe, também muçulmana, não o faz como ela. Cumpre apenas a tradição nas cerimónias, nos locais sagrados e durante as orações. Mas não usa o véu diariamente. Este é o caminho de Bibi Fátima.

"Comecei a sentir que fazia sentido. Comecei a usá-lo no Ramadão e, depois, já não o consegui tirar", recorda. Diz que esta decisão faz parte da liberdade individual. E afirma, olhar certeiro no interlocutor: "Sou a prova de que não somos oprimidas." Quer ser conhecida pelas suas "capacidades intelectuais, pela moralidade e não pelo aspecto físico". Ela que provavelmente não teria qualquer problema em ser aceite pela parte estética de uma mulher. Tem olhos tão especiais quanto a sua história, que vai contando de forma parcimoniosa. Há pormenores que prefere deixar para trás.

Gosta de cores escuras, véus opacos. Prefere os negros, azuis-escuros, castanhos ou grenás. Com uma fita grossa por baixo. Esconde os cabelos longos. Quem já viu diz que são bonitos os cabelos de Bibi Fátima. Estuda no Instituto Superior de Educação e Ciências, onde diz que nunca foi discriminada. Nem por colegas nem por professores. Nem pelas crianças do primeiro ano no estágio, que frequenta actualmente no Colégio Paula Frassinetti. Também já estagiou, com crianças dos 6 aos 10 anos, no ensino público e, garante, nunca foi molestada. E, avisa, não irá trabalhar para um local onde não possa usar o seu lenço: "Vai contra os meus princípios."

"Sou muçulmana e sou portuguesa e estou apenas a exteriorizar a minha devoção", afirma. Bibi Fátima não acredita na separação entre vida pessoal e profissional. É por isso que se realiza a dar aulas, mas não abre mão de querer constituir a sua família, seguindo os preceitos do Islão. Às sete da manhã, quando esta futura professora do Ensino Básico sai de casa, cobre os cabelos e só voltará a soltá-los à noite, quando voltar.

São as mulheres do Islão que falam português e vivem em Portugal. São jovens, estudam, trabalham. São devotas e fizeram a sua opção. Tapam-se e é assim que gostam de viver, garantem. Antes de se deitarem, rezam: "Deus! Não há mais divindade além d'Ele, Vivente, Subsistente, a Quem jamais alcança a inactividade ou o sono; d'Ele é quanto existe nos céus e na terra. Quem poderá interceder junto d'Ele, sem a Sua anuência? Ele conhece tanto o passado como o futuro. E eles (humanos) nada conhecem da Sua ciência senão o que Ele permite. O seu trono abrange os céus e a terra, cuja preservação não O abate, porque é o Ingente, o Altíssimo" (Alcorão, 2:255).

 

Via Expresso

24
Mai10

Ordenada primeira sacerdotisa em Itália

olhar para o mundo

Pela primeira vez em Itália, uma mulher foi hoje ordenada numa igreja do centro histórico de Roma, apenas a centenas de metros do Vaticano que, apesar de afetado por uma crise de vocações, nega o acesso das mulheres ao sacerdócio.  

Ordenada primeira sacerdotisa em Itália

A nova sacerdotisa, Maria Vittoria Longhitano, uma italiana de 35 anos, casada e mãe de duas crianças, pertence à Igreja Vetero Católica Italiana, uma pequena congregação que abandonou o catolicismo romano no século XIX e se juntou à União de Utreque, estreitamente ligada à Igreja Anglicana.

"Sem as mulheres, o catolicismo, que é sinónimo de universalidade, fica como que estropiado, porque metade da humanidade não participa na missão de Cristo", explicou à imprensa Vittoria Longhitano, que celebrará domingo em Milão a sua primeira missa.  

O bispo Fritz-Rene Muller, da União de Utreque (Holanda), ordenou-a
perante uma centena de pessoas, durante um ofício religioso de duas horas realizado na igreja anglicana de Todos os Santos (All Saints' Church), situada perto da célebre Praça de Espanha.  

Vittoria Longhitano não foi ordenada segundo o rito anglicano, mas segundo o da sua Igreja, o vetero católico.

 

Igreja Católica só aceita homens para padres e bispos

 

Para ela, o interesse do grande público e dos media pela sua ordenação demonstra que "as Igrejas cristãs e a Igreja Católica Romana em Itália dispõem de apoio popular para aceitar o sacerdócio das mulheres".  

A Igreja Católica só aceita homens para seus padres e bispos, justificando que foi essa a prática instaurada por Cristo, que escolheu como seus apóstolos 12 homens.  

Em 1984, a decisão da Igreja Anglicana de abrir o sacerdócio às mulheres constituiu um motivo de fricção entre as duas Igrejas e em julho de 2008, o Vaticano criticou a adoção pela Igreja de Inglaterra do princípio da ordenação de mulheres bispos.  

O Vaticano classificou-a como um "contratempo para a tradição apostólica mantida por todas as Igrejas do primeiro milénio" e um "obstáculo à reconciliação" entre as duas Igrejas.

 

Via Expresso

14
Mai10

Em Fátima pequei por ti

olhar para o mundo

Em Fátima pequei por ti

 

A casa fica perdida numa das estradas secundárias de acesso a Fátima. Por estes dias, a terra afamada pelas aparições está a rebentar pelas costuras. E aqui, no lugar onde nos encontramos, a meia dúzia de quilómetros do centro da cidade, os espaços para estacionar também se esgotaram. Enquanto o Papa Bento XVI celebra a missa para centenas de milhares de fiéis, há quem esteja de peregrinação a outro "santuário". Homens para quem a fé veste saia curta com botas altas, usa pestanas falsas e fala com sotaque. 

É um dos bares mais antigos e bem conhecido dos habitantes de Fátima. Quem o visita diz ser "um sítio como outro qualquer". "Bebe-se um copo e fala-se com uma miúda. O resto depende da tua sorte", avança a custo o proprietário. Explicamos que estamos a fazer um roteiro de Fátima alternativo. Primeiro ao homem que está na porta, depois ao dono. Nem um nem outro quer falar. Os jornalistas não são bem-vindos aqui. "A maior parte dos clientes gosta de ter a sua privacidade", emenda o dono. Ainda assim, convida-nos a ver o espaço. 

Lá dentro, num ambiente escuro, oito mulheres estão sentadas nas mesas da entrada. Há um pequeno palco com um varão de striptease e umas cortinas escuras que dão para uma sala discreta ao fundo da pista. "Para tomar um copo mais íntimo", explica o dono. As mulheres, quase todas de nacionalidade estrangeira, observam os homens de cima a baixo e fazem permanentes investidas de sedução, antes de avançarem com conversa. 

"O negócio não anda bem para estes lados, a clientela escasseia", queixa-se uma delas, brasileira, depois da nega de um cliente para lhe oferecer um copo. Hoje, porém, é um dia excepcional: com tantos forasteiros na cidade, há novos clientes encostados ao balcão. Uma raridade, garante o dono. "A maior parte costumam ser pessoas conhecidas", diz enquanto faz contas às caras familiares. "Hoje não conheço praticamente ninguém." Apesar dos motivos da peregrinação não se compadecerem com visitas a casas de alterne, há quem procure este tipo de diversão nos intervalos da fé. "Olhe que até padres nos visitam." 

Copos e campismo Os caminhos da fé, já se sabe, não são linhas rectas. Pertencem ao homem, com todas as imperfeições inerentes à condição humana. Uma premissa que não conhece excepções. "Fátima é uma terra como outra qualquer", atira um comerciante em plena rua. Neste caso, o "outra qualquer" surge para justificar os passos de quem visita a terra santa de carteira recheada e fé enviesada. Entre visitas ao santuário e à nova igreja, há quem goste de se sentar num bar para beber copos e embalar a crença. O sacrifício fica reservado para a noite, no desconforto das tendas.

Sentados numa esplanada do centro da cidade, um grupo de dez homens recupera o fôlego de uma caminhada desde Viseu até à terra santa. Os helicópteros militares que sobrevoam a cidade anunciam a chegada do Papa, mas aqui a discussão é outra: futebol. O dono do restaurante personifica bem a alma dividida destes homens de fé: tal como eles, usa um lenço verde celestial ao pescoço alusivo à visita de Bento XVI, e no peito uma camisola Jesus, o treinador do Benfica, elevado a santo pelas magias do photoshop aplicadas numa t-shirt.

"Ver o Papa?", pergunta ao telefone um dos peregrinos. "Ainda tenho meio metro de cerveja para beber." Pode até soar a exagero, mas, aqui, as cervejas - chamadas imperial à Benfica - são servidas em copos altos, com mais de 40 centímetros de altura. E se as rodadas sucessivas que vêm para a mesa não forem suficientes, na carrinha destes peregrinos há álcool de sobra para os próximos dias: "Cada um trouxe dois garrafões de vinho", garante. A noite adivinha-se longa. 

Há qualquer coisa de festival de Verão na visita do Papa a Fátima. Um metro quadrado de terreno é suficiente para montar a tenda e assegurar dormida para os próximos dias. Filipe Sousa, 20 anos, veio desde Espinho numa excursão. Uma viagem que ele e os amigos repetem todos anos por altura do 13 de Maio. Fomos encontrá-lo à tarde, enquanto decorria a primeira missa do Papa no santuário, numa tenda do parque 12. Chegou esta madrugada e aproveita agora para descansar. "Para a procissão das velas?", perguntamos. A resposta veio em tom de vacilo: "Também, mas principalmente para a festa de logo à noite, no parque", confessa. 

Apesar de não se ouvirem djambés ou cânticos tribais - aqui apenas se escuta música religiosa - é frequente os grupos mais jovens se juntarem à noite para confraternizar. Com todos os excessos que confraternizar implica: "O Papa perdoa", brinca outro jovem do grupo, desculpando-se com uma "fuga ao dia-a-dia" e uma forma de se divertir. "Essencialmente, queremos curtir", atalha o amigo Filipe. Será que Deus o perdoa?

 

Via ionline

13
Mai10

Alice Brito: Eu sei ,,....

olhar para o mundo

Maria beija a mão do demo.. o paspalvo olha

 

Eu sei.
Sei da menina de Olinda, de nove anos e trinta quilos, reiteradamente violada pelo padrasto, grávida de gémeos.
Sei do empenho posto pela Igreja para tentar impedir o aborto, apesar de a criança correr grave perigo de vida. Os médicos e a mãe foram excomungados. O violador foi apenas censurado.
Eu sei.
Sei dos 498 padres espanhóis que beatificaste, e sei que ao fazê-lo passavas enternecidamente as mãos pelo lombo do franquismo e emprestavas oxigénio à direita, que agora se prepara para crucificar Baltazar Garzón.
Eu sei.
Sei do levantamento da excomunhão a Williamson, bispo negacionista, branqueador do nazismo, "compagnon" de todos os que, todos dias, tentam embargar, vilipendiar, encapotar, uma das páginas mais vergonhosas da História da humanidade.
Eu sei.
Sei dos discursos homofóbicos e da condenação do divórcio, como se o céu só se ganhasse se se frequentasse o Inferno na terra; como se a graça só se alcançasse através da dor e sofrimento, prescindindo-se da vida.
Eu sei.
Sei do silêncio, da ocultação, da cumplicidade, da indiferença e, sobretudo, da crueldade de todos os crimes perpetrados por múltiplos e variados membros da Igreja.
Sei do encobrimento das denúncias das perversidades, pressinto a gritaria calada de todas as vítimas a estourar de aflição em noites de insónias, intuo o peso das memórias fantasmas que insistem em colar-se à pele.
Eu sei. Sabemos todos.
Mesmo aqueles e aquelas que se passeiam no glamour das recepções papais, e antes se passearam no glamour das recepções oficiais a abarrotar de cultura laica.
Todos sabemos de tudo, sendo que o tudo é demasiado grave para que tudo se esqueça. Principalmente nestes dias em que a crise parece adiada e os católicos parecem anjos imaculados.
Alice Brito

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